A SOCIEDADE CALA, A ESCOLA FALA

Trabalhei por quase 15 anos em duas escolas simultaneamente, de manhã a pública e a tarde a privada. Na pública conheci o Léo e na privada o Vítor. Léo era o mais velho de quatro irmãos, pai preso, mãe diarista. Quando o conheci tinha 8 anos de idade. Vitor era o mais velho de 2 irmãos, também com 8 anos. Pai e mãe dentistas, consultório em bairro chique. Léo morava em barraco pequeno, de dois cômodos e quase sempre só comia na escola. Vitor morava em condomínio de Luxo, ia pra escola depois de tomar café e almoçar. Ao chegar em casa jantava e tomava leite antes de dormir. Léo, com dez anos cuidava da casa e quando tinha comida, cozinhava, pois a mãe trabalhava o dia todo fora. Vitor, até a última vez que o vi, já adolescente, não sabia lavar uma louça. Léo fazia a lição sozinho e ainda ajudava os irmãos menores. Vitor sempre contou com a ajuda da tecnologia e dos pais. Aos finais de semana Leo brincava com os irmãos na rua e cuidava da casa. Aos finais de semana Vitor frequentava buffets, shoppings, restaurantes. Léo nunca fez um curso extra, pois precisava ficar em casa para mãe trabalhar. Vitor sempre fez inglês, francês, natação e guitarra. Com 13 anos Leo precisou trabalhar na vendinha do bairro para ajudar em casa. Vitor ganhava uma mesada de R$ 200,00. A mãe de Léo se envolveu com um cara da pesada e acabou sendo presa. Vitor sempre contou com o apoio e suporte de uma família unida, equilibrada e presente. Quando Leo completou 15 anos seus irmãos foram para um abrigo e ele ficou com um parente próximo. Aos 15 anos Vitor ganhou uma viagem para o exterior. Na casa nova, Leo precisou ajudar com as despesas trabalhando período integral, deixou a escola temporariamente. Vitor entrou em universidade renomada totalmente financiada pelos pais. Não sou mais professora nessas escolas, mas colegas que ainda trabalham lá me deram notícias atuais: Leo hoje trabalha no IFood durante o dia para pagar um curso técnico que faz a noite e o Vitor acabou de se formar em engenharia. E ainda tem gente nesse mundo que defende a meritocracia! O Léo é só uma história entre milhares. Um garoto que se esforçou muito, mas encontrou diversos obstáculos pelo caminho que trilhou a pé descalço em chão de terra (enquanto o colega Vitor viajava de “jatinho particular”). O Léo vai chegar ao destino e se formar, eu tenho certeza disso, mas por causa de uma sociedade injusta e desigual, o menino vai levar o triplo do tempo e precisar do triplo de força pra não desistir… Quem usa o argumento da meritocracia, pra mim, é porque nunca conheceu a realidade das nossas periferias de verdade. Fala de algo que não existe! E, pior, coloca um peso enorme nas costas de quem já sofre. Isso se chama tortura!” – Postado por uma professora.

Meus comentários:

1. Vitor não tem culpa pela situação de Léo.
2. As circunstâncias difíceis que Léo enfrenta não são causadas pelas circunstâncias fáceis que Vitor vivencia, nem vice-versa.
3. Igualar todo garoto rico a Vitor e todo garoto pobre a Léo é preconceito. Nem toda família rica é bem estruturada e cuidadosa com os filhos como o texto sugere que a de Vitor é. Nem toda família pobre é desestruturada levando os filhos à uma situação de abandono como a de Léo.
4. Usar esse texto para criticar a meritocracia é desconhecer o conceito. Meritocracia não é sobre todos saírem do mesmo lugar, nas mesmas condições e buscarem os mesmos resultados. Isso é gincana. Meritocracia é sobre fazer o melhor, com os recursos de que se dispõe, buscando a realização de interesses pessoais. Pelo texto, tanto Vitor quanto Léo têm muitos méritos.
5. Se quisermos ver menos Léo’s no nosso país, precisamos entender os motivos pelos quais temos tantos. E tem que ver os motivos reais, específicos, não basta se acomodar a narrativas genéricas como “sociedade injusta e desigual”. E então poderemos atuar para diminuir os obstáculos e aumentar as oportunidades.
6. Eu tenho convicção, e aí é uma opinião pessoal, que não é dando cada vez mais dinheiro para o governo supostamente fazer projetos sociais para os Léo’s enquanto a maior parte dos recursos se perdem em ralos de corrupção e ineficiência que vamos melhorar esse quadro. E muito menos vamos melhorar as coisas culpando e caçando os Vitor’s.

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CENSURA E PROPRIEDADE

(Leitura: 5 min)

Tema sugerido pela amiga Carla RA. Obrigado, Carla.

Era uma vez um espaço de produção e compartilhamento de conhecimento, acessível ao mundo todo, livre de qualquer censura e preconceito. Esse foi o sonho de muitos românticos que viveram os primeiros passos da Internet.

Mas, não tardou ficar claro que a verdade passa longe disso. Na medida que a Internet se popularizou, vimos que boa parte do público está mais interessada em fofoca de celebridades ou vídeos de gatinhos do que em conhecimento útil. E quem quer trocar ideias geralmente prefere se organizar em bolhas com os que pensam igual a si para louvar as próprias teses e xingar quem pensa diferente.

Daí, surgiram as redes sociais e seus algoritmos baseados em likes e reforçaram o sentimento e o comportamento tribal. Esse é o pano de fundo do cenário atual onde vemos cada grupo buscando formas de limitar a voz e a visibilidade dos grupos rivais.

Essa caça à liberdade de expressão alheia se dá em duas frentes. Uma delas é a censura estatal, seja através de projetos de lei nos parlamentos, de decretos dos executivos ou de sentenças e mandados emanados do judiciário. Busca-se, através da força do estado, impedir que opositores digam o que pensam, evitar que autoridades sejam criticadas, criminalizar opiniões, punir o pensamento discordante. Essa frente da censura estatal é execrável e deve ser repudiada e combatida por qualquer pessoa que preze por liberdade.

Mas há uma segunda frente de contenção da expressão alheia. Empresas que lidam com informação selecionam a quem darão voz, quais ideias terão espaço, qual o alcance cada manifestação terá. Redes como Facebook, Twitter, Instagram e outras tem suas políticas, selecionam o que vão repercutir e mesmo quem pode ser usuário. Jornais, revistas e portais selecionam seus jornalistas e colunistas e os submetem a políticas editoriais. Essas seleções não são isentas, envolvem critérios econômicos, políticos e ideológicos, entre outros. E isso é legítimo. A autonomia de cada empresa ao administrar sua propriedade privada também deve ser respeitada por quem gosta de liberdade.

Claro que a censura privada também impacta a sociedade, também priva as pessoas de alguns conteúdos e exagera a importância de outros, também distorce verdades, também promove mentiras. Devemos deixar isso quieto em nome da liberdade? Não. Mas, desafios privados à liberdade devem ser enfrentados de maneiras distintas.

Primeiro, quem se sente diretamente prejudicado tem a opção de buscar na justiça indenizações civis e condenações criminais.

Segundo, o bom do ambiente privado é que há espaço pra concorrência. Nem toda rede social é igual, nem todo jornal tem a mesma linha editorial. Cada um faz um recorte distinto, cada um é seletivo de um jeito diferente. Além disso, por maior que seja um império, ele nunca está a salvo das invasões bárbaras. Todo dia tem uma nova rede social sendo lançada, algum empreendedor tentando emplacar a próxima grande rede. Todo dia tem alguém trocando um grande jornal por um blog, um canal de vídeo, um jeito qualquer de propagar um ponto de vista barrado por um grande editor.

Cabe a quem vê a liberdade como uma causa válida ser cético, buscar fontes variadas de informação, duvidar tanto daqueles com quem sempre concorda quanto daqueles de quem sempre discorda. A verdade raramente está toda nos extremos. Vale também ficar de olho nos novos empreendimentos, sejam redes, sites, blogs, revistas, ou algo no qual ninguém tinha pensado antes. É bom ver quais parecerem mais promissores, incentivar com consumo, divulgacao e participação. E, quem sabe, seja hora de ter sua própria iniciativa, de criar novos canais de comunicação e compartilhamento de informações. Mais importante do que achar a solução perfeita é achar uma que funcione e ajudar a aperfeiçoá-la.

ARMAS

“Adolescente mata amiga com tiro acidental após pegar arma do pai em condomínio de luxo em Cuiabá” – g1.globo.com, 13-Jul-2020.

Pessoas morrem em acidentes de carro. O que fazemos? Criamos iniciativas pra melhorar a educação para o trânsito ou proibimos os carros?
Pessoas morrem em acidentes com a rede elétrica. Criamos campanhas educativas ou proibimos o uso de eletricidade?
Pessoas morrem afogadas. Investimos em educação e salva-vidas ou proibimos banhos de mar e piscina?
Alguma atividade útil ou prazerosa pras pessoas envolve alguns perigos. Educamos para o uso consciente ou proibimos?
Pessoas morrem com acidentes com armas (ferramentas de defesa). O que fazemos? A resposta deveria ser coerente com as outras respostas acima.

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REFORMA TRIBUTÁRIA

Vejo de volta ao noticiário o tema da CPMF. De novo. Dessa vez turbinada por declaração do Ministro Paulo Guedes e do Vice-Presidente Mourão. Lamentável. Aproveito pra deixar claro minha posição sobre reforma tributária.

O que eu apoio:

  • Extinção de imposto;
  • Redução de alíquota;
  • Alongamento de prazo de pagamento;
  • Simplificação da burocracia de arrecadação.

O que eu sou contra:

  • Criação de novo imposto;
  • Troca de um imposto por outro;
  • Aumento de alíquota;
  • Diminuição de prazo de pagamento;
  • Aumento de burocracia.

Mas, Geraldo, nossa carga tributária é mal distribuída, é injusta, é regressiva, blá, blá, blá, tem que reformular, fazer uma ampla reforma, desonerar isso, cobrar mais daquilo, blá, blá, blá… Não. Quem vem com essa conversa é ingênuo ou tá defendendo algum interesse. Toda vez que se faz alguma reorganização dos impostos a carga total acaba sempre aumentando. Não caio nessa.

Ah, mas, tem que cobrar mais dos mais ricos e das grandes empresas… Acorda. Grandes empresas não pagam impostos. Ricos não pagam impostos. Nunca. Em nenhum sistema. Só coletam e entregam pro governo. Isso quando não recolhem e sonegam. Quem está no topo da pirâmide social ganha dinheiro fornecendo produtos e serviços pra quem tá abaixo. Os impostos vão sendo repassados. Quem paga realmente é só quem tá na base, quem trabalha, recebe salário e gasta comprando coisas pra si e pra sua família. Em qualquer sistema.

Ah, mas, os países desenvolvidos tem carga tributária até maior do que a nossa; O importante é como o dinheiro é usado; Tem é que combater a corrupção; Mas a Suécia, o Canadá, a Terra-do-Nunca… Como os outros países se organizam é assunto deles. Respeito, observo, procuro aprender com eles quando aplicável. Mas, somos brasileiros, vivemos no Brasil, temos de considerar nossas circunstâncias e ver o que funciona aqui. A verdade é que aqui sempre tivemos governos que arrecadam cada vez mais e entregam cada vez menos, independente da ideologia ou do partido. Salvo raras tentativas de brincar de austeridade, sempre tivemos governos que gastam mais do que arrecadam e quando a conta não fecha, dão um jeito de jogar a fatura pros trabalhadores na forma de mais impostos, mais dívida ou mais inflação.

Não podemos mais tolerar aumento de impostos, sob nenhuma desculpa nem sob nenhum artifício. Se você trabalha pra ganhar a vida e defende ou aceita aumento de imposto, melhor seria ir até algum beco suspeito e entregar sua carteira pra um assaltante.

ANONIMATO

Eu entendo que a melhor forma de coibir as fake news, a proliferação de robôs e perfis falsos, é vinculando tudo a um CPF. Quer escrever besteira e difamar outras pessoas? Fique a vontade, mas responda por isto! Liberdade com responsabilidade.” – Alexis Fonteyne

Já fui favorável a essa ideia, de coibir o anonimato, mas, depois repensei e hoje acho má ideia. Tem pessoas que sabem coisas importantes mas estão sob pressão ou ameaças e preferem falar de forma anônima. Tem pessoas que não querem se comprometer, então, se tiverem de se identificar, vão deixar pra lá segredos que são de interesse público. E, finalmente, se vamos acabar com o anonimato teríamos que acabar também com o sigilo da fonte. Afinal, se todos são iguais perante a lei, não há porque jornalistas terem o privilégio do anonimato em detrimento dos outros mortais. Não podemos jogar a criança fora com a água do banho. Acabar com o anonimato teria mais efeitos ruins do que bons. O que precisamos é cultura de ceticismo, é aprendermos a desconfiar do que ouvimos, a checar os dados quando possível, a nos informarmos em fontes variadas. Não há salvação fora da liberdade.

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NOVA ORDEM MUNDIAL

(Leitura: 6 min)

Não. Esse post não é sobre uma suposta elite mundial que vai implantar um governo globalista autoritário. Se você é fã de teorias da conspiração atraído pela provocação do título, [não] lamento decepcioná-lo. Continue lendo assim mesmo. De repente você gosta.

Eu confesso. Sempre tive uma pitada de inveja da geração que viveu a década de 1940. Apesar da guerra e de todo sofrimento desencadeado por ela, quem sobreviveu teve a oportunidade de ver o mundo passando por um turnaround, a história dando um cavalo-de-pau bem à sua frente. Em poucos anos a organização política e social do planeta se reconfigurou totalmente, um mundo novo nasceu. Pra quem tava prestando atenção, deve ter sido fascinante de assistir e participar.

Não mais. A invejinha acabou. Suspeito que terei minha própria oportunidade de ver o mundo humano dando uma nova pirueta. Visto por essa perspectiva, a década de 2020 começa animadora. Três fluxos simultâneos parecem se mover nessa direção.

Primeiro, a epidemia, chegando de surpresa e lembrando a todos que somos frágeis; que o mundo lá fora é perigoso; que muitos de nós gostamos de ter um governo que cuide de nós, amenize nossas angústias com certezas bem faladas e nos proteja até mesmo uns dos outros; que na hora do aperto voltamos pra casa e nos refugiamos junto a poucos amigos e familiares. A epidemia empodera a autoridade, justifica os controles, faz muitos de nós desejar ordem mais do que progresso e até esquecer que existe uma tal liberdade. Mesmo que a epidemia esmoreça, acho difícil de não surgir a epidemia 2.0, a 2.0 plus e assim por diante. Daqui pra frente, vamos olhar mais pro mundo microscópico. E quem procura, costuma achar.

Segundo, a divisão do Ocidente entre direita e esquerda chegou num ponto crítico. A esquerda turbinada pelos movimentos identitários. A direita não aguentando mais a pressão da esquerda por reengenharia social. As tensões aumentando. Grupos indo pra rua, partindo pra destruição, às vezes pra porrada. O centro cada dia mais estrangulado. O diálogo entre os extremos diminuindo. As pontes sendo trocadas por muros, figurativa e literalmente. A desumanização de quem tá do outro lado em ritmo crescente.

Terceiro, a China assumindo uma posição de protagonista no mundo. Com o Xi Jinping tendo consolidado seu poder, O PCC mudou de estratégia. Já não disfarça mais seu desejo de comandar o planeta ou pelo menos uma boa parte dele. Se apresenta claramente como antagonista dos EUA, como arauto de um novo modo de organização política, social e econômica. Um modo autoritário, planejado e centralizado, em contraposição à democracia liberal que anda em crise no ocidente. Busca ativamente aumentar sua influência tanto em organizações internacionais quanto dentro de diversos países mundo afora, tanto no nível econômico quanto político. E conta com a vantagem de ser uma sociedade unificada pela força, sem a divisão social que predomina no Ocidente. Ao mesmo tempo, diversos países ocidentais começam a perceber que não dá mais pra tratar a China como um país qualquer, que a tentativa de integrar a China ao Ocidente que vem sendo feita desde o fim da Guerra Fria saiu pela culatra. E muitos começam a reagir. Vemos empresas chinesas sendo banidas de alguns mercados. O tabuleiro da Guerra Fria 2.0 está posto.

Esses três movimentos simultâneos e entrecruzados me parecem ter tudo pra produzir uma mudança disruptiva no planeta. Prever o futuro é uma brincadeira ingrata e é difícil imaginar no que vai dar. Além disso, nós humanos temos uma tendência a pensar que estamos vivendo um momento único na história. É parte da nossa vaidade. Mas, estou apostando que na década de 2030 viveremos num mundo que será, em diversos aspectos, muito diferente do que conhecemos agora. A diferença de cenário entre 2030 e 2020 será muito maior do quaisquer diferenças que podemos notar hoje em relação a 2010.

Os posts da categoria “Profecias” são pequenos chutes, digo, previsões que deixo aqui pra conferir no futuro. São só uma pequena brincadeira com a incerta arte da futurologia.

PELA LIBERDADE DE EXPRESSÃO!

Uma pesquisa divulgada hoje, 18-Jun-2020, pelo DataSenado (Instituto de Pesquisas do Senado Federal), afirma que 84% dos brasileiros são favoráveis à criação de uma lei de combate às fake news. A pesquisa tem lá sua margem de erro. Mas, não duvido desse número. Muita gente é influenciável por campanhas massivas de mídia. Por isso, me sinto na obrigação de fazer um apelo aqui pra minha bolha de contatos. Se você está entre esses 84%, reflita um pouco mais sobre isso. Não existe controle de notícias falsas. Existe controle de notícias. Se for dado a alguma instituição o poder de determinar o que é notícia, as pessoas que a compuserem irão inevitavelmente barrar notícias que lhes incomodem e deixar passar notícias que ratifiquem suas crenças, desejos e interesses. Não farão isso porque são más, desonestas ou incompetentes. Farão isso porque são humanas. É da natureza humana olhar com mais boa vontade o que nos agrada e com um viés mais crítico o que vai contra nossos valores e crenças. É da natureza humana julgar com mais rigor os desafetos e ser mais leniente com os amigos. Quem nunca criticou duramente uma pessoa de que não gostava e, depois de conhecer melhor a pessoa e fazer amizade com ela, passou a ver seus defeitos como maus menores, que atire a primeira pedra. Algumas notícias falsas podem ser fáceis de identificar, mas, na maioria das vezes, a separação entre o que é falsidade e o que é opinião é sutil, é subjetiva, e é por isso que tal análise tem de ficar a cargo de cada espectador, não de uma autoridade supostamente mais iluminada. O nosso país já dispõe de uma variedade de leis e institutos legais que permitem a correção de eventuais excessos de liberdade de expressão. Quem se sentir prejudicado pode procurar a justiça. Não há necessidade de mais lei nessa área. Qualquer lei que seja criada com intuito de evitar notícias falsas, mesmo que com as melhores intenções, será fatalmente usada pelas autoridades de plantão para calar adversários. Sei que é tentador buscar maneiras de calar quem diz coisas que achamos desprezíveis, especialmente quando essas pessoas estão no governo. Mas, lembrem-se, governos passam, quatro anos é um pulinho em termos de história. Já liberdades perdidas são difíceis de se reconquistar. A liberdade de expressão em nosso país é uma conquista recente e que custou muita luta. Não deixemos que ela se perca tão rápido. Não aceitemos tão fácil a volta da censura.

TRAGÉDIA OU POLÍTICA?

‘Quem é de direita toma cloroquina, quem é de esquerda, Tubaína’

‘Ainda bem que a natureza criou esse monstro chamado coronavírus para que as pessoas percebam que apenas o Estado é capaz de dar a solução’

Duas frases ditas no mesmo dia por dois personagens relevantes da política nacional.

Se você se horroriza com uma, mas, concorda ou não se importa com a outra, não está comovido com a tragédia, está se apropriando da pandemia pra fazer política.