QUEM FOI HUMILHADO?

Vejo os jornais cheios de manchetes do tipo “Desembargador humilha guarda municipal em Santos” ou variantes dessa frase, onde se detalha o caso de um desembargador que, ao ser multado por não estar usando máscara ao caminhar em via pública, se irrita, chama o fiscal de analfabeto, liga para o Secretário de Segurança do Município, rasga a multa e tenta intimidar o fiscal com a famosa frase brasileira “Você sabe com quem está falando?”.

Pode-se discutir se decretos municipais obrigando o uso de máscaras são ou não constitucionais e outros pontos jurídicos e sociais relativos ao uso obrigatório de máscara em geral, mas, esse post não é sobre isso. O que me chamou atenção foi o recorrente uso da palavra HUMILHAÇÃO nas machetes de jornais e sites de notícias.

Acredito que a imprensa deve ser livre pra se expressar do jeito que achar melhor e o Estado só deve interferir via judiciário se alguém que se sinta prejudicado reclamar. Isso devia ser óbvio mas é sempre bom relembrar. No entanto, isso não impede que critiquemos a imprensa e a responsabilizemos pelas percepções que ela gera nas pessoas.

Acho o verbo humilhar extremamente inadequado para descrever o que ocorreu. O que vemos é um fiscal fazendo o trabalho para o qual é pago, agindo de forma profissional diante de um cidadão mal educado, arrogante, prepotente e, ao que tudo indica, um péssimo funcionário público, que usa seu cargo como um suposto título de nobreza fora de época, que deveria ser julgado e punido adequadamente, coisa que não vai acontecer porque nossas leis são lenientes com funcionários públicos ruins, especialmente quando pertencem ao judiciário. Porém, o fiscal não tem nenhum motivo para sair da cena humilhado. Pelo contrário, ele tem motivo é pra sair satisfeito consigo mesmo e ser elogiado por sua conduta e profissionalismo neste caso.

Acredito que a imprensa presta um desserviço ao criar essa narrativa de humilhação. Dá ao agressor um poder ao qual ele não faz jus. Dizer que o desembargador humilhou alguém é reconhecer nele uma suposta superioridade que ele não tem, é fazer dele um senhor de pessoas quando ele é apenas um funcionário público, cuja função é servir e não exigir. Só se humilha quem se permite se humilhar. Um funcionário público que está fazendo seu trabalho como o fiscal não tem motivo pra se sentir humilhado. Ao insuflar tal narrativa a imprensa incentiva uma atitude vitimista e perde a oportunidade de promover valores positivos e estimular a auto estima dos trabalhadores honestos.

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