COLOMBIA, ABORTO E LIBERDADE

(Leitura: 15 min)

Nesta semana, o tema aborto ganhou as machetes devido à uma decisão da Corte Constitucional da Colômbia, a Suprema Corte deles, que descriminalizou quaisquer abortos realizados até 24 semanas de gestação. Antes disso, o aborto era criminalizado lá, exceto em casos de estupro ou mal formação fetal, bem semelhante a como é hoje no Brasil. Em meio a reações emocionais contra e a favor, desejo oferecer uma reflexão o mais racional possível.

Vamos começar analisando o caso específico da Colômbia. A primeira coisa que chama atenção é que a mudança foi feita por uma decisão da Suprema Corte, contrariando as leis do país. Isso é lamentável. Corrobora uma perigosa tendência no Ocidente de o Judiciário fazer leis. Sem ainda entrar no mérito da decisão, numa democracia, mudanças legislativas deveriam ser feitas pelo parlamento, onde estão os representantes eleitos pelos cidadãos. Por mais que os parlamentos tenho defeitos, ali, as leis são debatidas abertamente, dentro de um processo previsível, com espaço para manifestações da sociedade. Não se inventou ainda jeito melhor de legislar. O papel do judiciário é aplicar as leis, não decretá-las ou modificá-las. Portanto, uma mudança tão importante e tão polêmica feita por uma canetada do judiciário me parece ilegítima.

Por outro lado, ao ver tantas críticas às pessoas que estavam celebrando vitória, críticas que pretendem uma indignação por ter gente celebrando o direito de abortar fetos de 24 semanas, acho importante salientar que não me parece ser isso que tava sendo comemorado. O que foi descriminalizado é o direito ao aborto e isso que foi celebrado. O limite máximo de tempo, no caso 24 semanas, é um ponto secundário. O fato de alguém apoiar a descriminalização não significa que a pessoa aprove esse limite específico. Além disso, mesmo o limite sendo de 24 semanas, a mulher que quiser fazer um aborto poderá fazê-lo bem antes. É claro que a questão do limite de tempo é importante, e vou tratar dela mais adiante. Porém, acho importante definir quais são os fatos antes de ir pras opiniões.

Olhando para o tema de forma mais geral, pra além do caso colombiano, acho válido começar analisando sob a ética libertária. Quem acompanha meus escritos sabe de minha simpatia pelo libertarianismo, portanto, não podia deixar de analisar por essa ótica. O que o libertarianismo tem a dizer sobre aborto? Na minha opinião, bem pouco. É um caso do qual a ética libertária não dá conta. Os principais valores libertários são a liberdade e a propriedade, sendo a propriedade do próprio corpo, da própria vida, a mais essencial. Só que aí duas ideias de vida entram em conflito. Se pensarmos do ponto de vista do direito à vida do feto, o aborto seria um crime, mas, se por outro lado, pensarmos no direito a auto determinação da mulher sobre seu próprio corpo, sem o qual um feto não é viável, o aborto seria um direito básico da mulher, e ambas as decisões seriam coerentes com os princípios libertários. Ou seja, nesse caso a ética libertária desemboca num paradoxo. Então, tudo depende do que se entende por começo da vida e até que ponto se considera viável que uma vida possa depender de outra e ainda assim ser autônoma. Duas sociedades com valores e tradições diferentes poderiam ter leis opostas sobre aborto e ainda assim serem ambas libertárias. Pra resolver esse dilema, uma sociedade, libertária ou não, precisa recorrer a outras fontes para fundamentar suas decisões.

Uma fas fontes onde uma sociedade poderia buscar fundamento para tratar a questão do aborto é a religião. Sabemos que a maioria das religiões consideram a vida sagrada desde a concepção e portanto recriminam ou proíbem o aborto. Só que, numa sociedade laica, as decisões baseadas em critérios religiosos, deveriam ser deixadas para o livre arbítrio de cada indivíduo, não devendo ser matéria de lei.

Outra fonte de argumentação poderia ser a ética deontológica ou o utilitarismo. É bom ou ruim que nasçam crianças de pessoas que não desejam ser pais ou mães, que provavelmente não iriam cuidar bem desses filhos, os quais teriam maiores changes de se tornarem pessoas infelizes, despreparadas pra vida, talvez se tornassem criminosos ou seguissem outros caminhos que as levariam a se tornarem fardos para toda a sociedade? Por outro lado, permitir que embriões e fetos sejam eliminados por conveniência poderia levar uma sociedade a banalizar a vida, levando à normalização de outros comportamentos violentos ou destrutivos?

Outra fonte de sustentação às políticas sobre o tema é a ciência e a tecnologia. Se presumirmos que existe algum caso em que o aborto deva ser permitido, aí, temos de pensar sobre métodos, sobre impactos disso em políticas de saúde pública nos estados que as tem, sobre as responsabilidades dos profissionais de saúde nos procedimentos, e, sobretudo, no limite de tempo até quando o aborto é permitido, o que leva à discussão sobre a partir de que momento o embrião se torna um ser vivo autônomo, desde quando tem consciência ou sentimentos e por aí afora.

Se quisermos olhar pra questão do aborto de forma racional, outro aspecto que precisa ser enfrentado é a manipulação retórica que é amplamente usada tanto por quem milita a favor quanto por quem milita contra. Quem é contra costuma demonstrar indignação dizendo que abortistas estão querendo matar bebês de não sei quantas semanas. Mas, será que essas pessoas realmente pensam em embriões e fetos como bebês? Algum casal comemora o dia da concepção dos filhos? Ou preferem comemorar o aniversário de nascimento? Uma mãe que saia de casa com seu filho após um mês do nascimento, se alguém perguntar qual a idade dele, vai responder que ele tem 10 meses ou que ele tem 1 mês? Sabemos as respostas, então, pra bem da verdade, devemos admitir que toda nossa cultura só conta mesmo o bebê como uma pessoa autônoma depois que ele nasce.

Por outro lado, militantes pró direito de aborto, quando confrontados, as vezes se referem a embriões e fetos como amontoados de células. É fácil dizer isso sobre um feto genérico numa conversa abstrata, mas, quem é que se refere ao próprio feto, a um desejado futuro filho, como amontoado de células? Ninguém, né. Então, vamos combinar que, qualquer que seja nosso lado nesse debate, um embrião ou um feto é mais que células, tem todo um significado e uma simbologia na cultura e nos sentimentos humanos.

A verdade, a meu ver, é que todas as sociedades humanas entendem, mesmo que intuitivamente, que a individualidade não começa num único ponto do tempo, nem na concepção nem no nascimento. É um processo. As vezes começa até antes da concepção, com um casal planejando o futuro filho, construindo histórias que serão depois incorporadas à história do filho. Até o direito reconhece essa certa existência pré concepção ao permitir que se deixe em testamento doações pra futuros filhos. A concepção é, naturalmente, um passo muito importante do processo, mas, ainda assim, um passo. E então começa uma fase de formação, tanto biológica, com o embrião e depois o feto crescendo na barriga da mulher, quanto social e sentimental, com a ideia de um novo indivíduo se formando dentro da família e da comunidade. E esse processo evolui até o nascimento, até a separação dos corpos de mãe e filho e o surgimento de um indivíduo completo e autônomo.

Então, creio que todos os lados desse debate deveriam fazer um esforço para reconhecer que há esse aspecto de processo evolutivo na formação da individualidade e ver as opiniões contrárias a luz desse processo. Quase todo mundo, por exemplo, reconhece a possibilidade de aborto quando a vida da mulher está em risco. Ora, quase ninguém aceitaria que uma criança recém nascida fosse abatida para, de algum modo, salvar a vida da mãe. Então, se a pessoa admite aborto em caso de risco de vida da mulher, já admitiu que de algum modo uma criança é mais viva do que um feto. Por outro lado, até quem defende o direito de aborto em qualquer circunstância, dificilmente vai discordar de que um aborto de um embrião de 4 semanas é menos traumático do que o de um feto de 12 semanas.

Estabelecido esse contexto, me parece o momento de abordar a questão do tempo limite. Aí, me parece que o conhecimento da ciência e tecnologia médica vem a calhar, considerando tanto a formação do feto e de seu sistema nervoso quanto a saúde física e mental da mulher. Mas, também, cabe considerar questões culturais e sentimentais. Não somos máquinas, sentimentos e conceitos relativos à valorização ou banalização da vida também são importantes e tem impactos nos indivíduos e na sociedade. Me parece que é importante estabelecer limites de tempo que permitam à mulher tomar uma decisão bem pensada e ao mesmo tempo respeite a percepção média de valorização da vida.

Outra coisa que quem acompanha minhas ideias bem sabe é que, pra mim, a liberdade é muito importante, porém, anda lado a lado com outro conceito tão importante quanto, que é a responsabilidade. Cada posicionamento tem contrapartidas, que muitas vezes tendemos a esquecer, seja por distração ou por conveniência.

Se reconhecermos o direito da mulher de abortar, ou seja, de desistir de uma gravidez depois da concepção, então, por coerência, não podemos negar esse direito ao homem. Numa sociedade que reconheça o direto da mulher ao aborto, o homem também deveria ser livre para, uma vez informado da futura paternidade, decidir se vai assumi-la. Se a mulher esconder do homem a gravidez ou, sabendo da negativa dele, levar a gravidez adiante, deveria assumir sozinha as responsabilidades pelo filho. Mas, nesse caso, o filho estaria sendo punido pela divergência entre os pais? Creio que não. Ninguém pode escolher as circunstâncias do próprio nascimento. Temos que viver com o que somos.

Por outro lado, uma sociedade que proíba o aborto, que considere que embriões e fetos tenham o direito de se desenvolver e nascer independente da disposição e do desejo da mãe, assume para si a obrigação de cuidar dessa criança. De uma pessoa que se acha no direito de obrigar uma mulher a levar adiante uma gravidez indesejada, eu esperaria que essa pessoa se disponha a criar a criança como se dela fosse. Qualquer coisa menos que isso seria uma contradição.

Concluindo, minha percepção é de que se trata de um assunto bem complexo, com múltiplos aspectos e muitas variáveis sobre as quais as sociedades tem bem pouco controle. E nesses casos, minha convicção é de que o estado deve interferir o mínimo possível. Não há estado que seja muito bom em cuidar de gente, em abarcar suas complexidades biológicas, culturais e emocionais. Então, na dúvida, é melhor deixar que os indivíduos tomem suas próprias decisões e vivam com elas.

SOBRE MONARK, LIBERDADE E CANCELAMENTO

Nazismo é indefensável. Foi um movimento que promoveu de várias formas a violência, a perseguição, a morte, a guerra. Teve o fim que mereceu. Hitler está morto. Que fique morto. Não dá pra discutir nenhum tema atual usando como pano de fundo o nazismo. Tem grupelhos de nazistas ainda zumbizando por ai? Que continuem zumbis. Não quero saber deles. Não deixem que inimigos da liberdade tragam a conversa pro tema nazismo. É cilada.

Querem falar sobre violência, perseguição, xenofobia, segregação? Vamos olhar pro presente. Vamos discutir os casos que estão acontecendo agora, que podem ser revertidos, que merecem atenção de quem defende vida digna e liberdade para todo ser humano. Vamos falar da opressão vivida por uigures e tibetanos, da opressão que se abate sobre o povo de Hong Kong, das ameaças à liberdade de Taiwan, das ameaças à soberania da Ucrânia, do apartheid sanitário que vários governos do ocidente estão a impor a minorias de suas populações.

Não faltam ameaças à liberdade, não apenas de opinião e pensamento, mas, também à liberdade de movimentos em andamento agora em várias partes do mundo. E muita gente que arrota virtude condenando violências do passado fecham os olhos para as violências do presente ou mesmo defendem e apoiam os estados e pessoas que estão provendo perseguição, discriminação e massacre neste exato momento. Se você defende a liberdade, quando te cobrarem posicionamentos sobre o passado, traga a conversa pro presente e vamos ver quem realmente defende liberdade, democracia, dignidade, respeito, essas coisas todas.

E o Monark? Deu um vacilo. Foi massacrado pelos seus adversários e inimigos. É do jogo. Opto por ignorá-los. Foi também descartado por seus sócios. Também do jogo. Seus sócios fizeram uma escolha. Uma escolha ruim, acho, mas, feita no direito deles. Que se danem, não tenho muito a dizer sobre covardes. Torço para que o Monark comece um novo empreendimento e faça ainda mais sucesso e continue promovendo a liberdade e expressando suas opiniões livremente.

SOBRE A AVENTURA AMERICANA NO AFEGANISTÃO

O que faltou aos EUA no Afeganistão foi aliados locais minimamente razoáveis.

Vencer uma guerra sendo uma superpotência mundial contra um país pobre é fácil. O difícil é manter a vitória. Ainda mais se o país em questão for um território árido que não tem nada interessante além da produção de drogas. Quem vai querer ficar lá e construir uma vida lá? Só mesmo quem nasceu lá e se acostumou à aquele inferno ou quem não pode ir pra outro lugar porque seria preso, tipo um Osama bin Laden.

E quem nasceu lá e aprendeu a viver lá é quase na totalidade parte da cultura muçulmana radical e não quer conversa com invasores ocidentais ou russos querendo mandar neles ou mudar o modo de vida deles. Se os chineses tentarem vão levar invertida também.

Os únicos aliados que os americanos conseguiram foi a tal Aliança do Norte, um amontoado de pilantras que eram considerados bandidos até para os padrões afegãs e tavam isolados no norte do país, já quase totalmente derrotados. Foi com essa ralé que os EUA tentaram construir um governo que pudesse manter os interesses americanos lá. Daí esse governo nunca teve um mínimo de aceitação do povo afegão. Só ficou no poder enquanto mantido lá pela força americana. Os poucos afegãos médios que se beneficiaram desse arranjo com os americanos foram esses que agora estão desesperados pra sair daquele inferno nem que seja pendurado em avião.

Os EUA fizeram uma ocupação que não podiam manter e por isso se deram mal.

No Iraque eles tiveram mais sucesso pq lá haviam grupos razoavelmente fortes e com raízes na cultura do país que não gostavam do governo do Saddam e estavam dispostos a trabalhar com os americanos pra construir um país diferente, como os Xiitas e os Curdos.

Então, resumindo minha análise, ganhar a guerra é uma questão de força militar e disposição de usá-la. Manter o domínio sobre um país já é algo muito mais complicado e geralmente depende de aliados locais, com raízes culturais fortes o suficiente pra conseguir apoio popular e disposição de construir vidas no país a longo prazo.

OBS: Esse post é uma análise fria dos fatos. Eu não endosso nenhuma ocupação, nenhuma violação da soberania alheia. Acredito que se um soldado tá lutando em território estrangeiro, tem grande chance de ele estar do lado errado da guerra.

LÁZARO E OUTROS DILEMAS BRASILEIROS

(Leitura: 6 min)

Eu tava evitando falar sobre a busca e execução do Lázaro porque é um tema tão escorregadio, que permite tantas análises distintas, que acaba sendo grande o risco de a gente se perder, cometer exageros ou injustiças com algumas das partes. Mas, alguns amigos disseram que gostariam de me ouvir a respeito, então, tentarei elaborar o que penso.

Eu tento organizar minha visão de mundo em quatro níveis de abstração. Tem o nível do ideal (como eu gostaria que um mundo fosse), o nível do bom (já que o ideal tá distante, qual a melhor forma de nos organizarmos e viver bem), o nível do razoável (quando nem o bom é possível, o que fazer pra encarar a realidade e lidar com os problemas) e, finalmente, o nível do dane-se (onde a gente apela, briga, xinga, e vai tomar uma cerveja pra relaxar que ninguém é de ferro). Acho que terei que passar por todos os níveis pra tentar dizer o que penso sobre esse caso do Lázaro.

No nível ideal esse caso sequer existiria. O Lázaro foi preso mais de uma vez antes por crimes diversos. Passou pela avaliação de psiquiatras forenses. Tava claro que ele era uma séria ameaça à segurança pública. Mas, por negligência ou ingenuidade ideológica (ou ambas) de alguns operadores do direito, essa ameaça foi devolvida à sociedade. Não defendo uma política de sair prendendo pessoas e jogando a chave fora. Mas, acredito que o mal existe, que tem pessoas que são caso perdido, que tem de ser contidas pelo bem dos demais. Uma sociedade bem organizada devia saber identificar e conter tais pessoas.

Mas, não vivemos no mundo ideal. Então, devíamos tentar pelo menos construir uma sociedade boa. E, nesse nível, uma pessoa que comete os crimes que o Lázaro cometeu devia ser presa, processada dentro da lei, e condenada a passar a vida toda na cadeia. E devia virar caso de estudo. Escolas deviam levar os jovens pra visitar cadeias, ver gente que vai passar a vida presa e conhecer dos seus crimes para saberem que, se forem pelo mesmo caminho, vão acabar tendo um destino semelhante.

Infelizmente, a maneira como as coisas funcionam no nosso país passa longe de ser boas. Temos leis severas para condutas inofensivas e leis brandas para crimes graves. Nosso sistema judiciário tá cheio de gente que estudou muito pra passar num concurso mas aprendeu pouco da realidade. O fato de esse criminoso ter passado várias vezes pelo sistema e voltado as ruas pra cometer mais crimes deixa claro que as soluções legais são bastante falhas. Então, não consigo lamentar porque esse criminoso foi morto e não preso. Entendo o alívio que muita gente deve ter sentido em saber que pelo menos esse não vai atacar mais. Entendo o policial que pensou “esse eu não terei de prender novamente”. Por outro lado, quando vejo um corpo sendo manejado de um carro pro outro como um saco de lixo, enquanto funcionários públicos comemoram e se felicitam, fico preocupado.

Aí, já estamos no nível do dane-se. E o dane-se deve acontecer num nível pessoal, nunca social. Eu posso compreender que um policial que passou semanas tensas caçando um criminoso, se arriscando, sofrendo pressões profissionais e sociais, fique feliz de que a missão foi cumprida, acabou. É humano. Posso entender se fragá-lo em sua casa socando o ar e celebrando. Porém, celebrar em público uma morte, mesmo que de um criminoso, manejar um corpo como saco de lixo diante das câmeras, e influenciadores e autoridades fazerem posts públicos exaltando o fato, me parece que passou do ponto.

Aquele corpo já foi uma pessoa, um filho de alguém, uma forma humana que lembra muitas outras. De quem se vê na necessidade de lidar com um corpo eu espero alguma compostura, algum respeito. De quem tem como profissão, fazer isso, além de compostura, espero profissionalismo. Se são funcionários públicos e autoridades, espero mais compostura e profissionalismo ainda.

Enfim, a impressão geral que levo desse episódio é que nos livramos de um criminoso, mas, também, emitimos mais um alerta de que estamos um tanto quanto perdidos em nossos ideias, valores e prioridades.

ELEIÇÕES MUNICIPAIS 2020

Minhas impressões sobre as eleições municipais:

PT e PSDB derreteram. A polarização entre esses dois partidos que dominaram a política brasileira por três décadas agoniza.

A esquerda está tentando encontrar seu novo eixo. A base eleitoral pra ela ainda existe. Falta liderança e rumo.

O bolsonarismo não soube transformar seu protagonismo no plano federal em influência local. Isso vai custar caro em 2022.

O grande vencedor foi o Centrão. Sua mistura de fisiologia e pragmatismo não deixa espaços vazios dando sopa.

O sucesso do Centrão indica que as narrativas mais ideológicas estão desgastadas. O eleitor médio tá cansado de ouvir falar de direita, esquerda, antifa, fascista, progressismo, conservadorismo e cia. Lacradores de ambos os lados fazem muito barulho mas tem pouco público.

O momento político do país é de muita fragmentação e pouco rumo. O caminho tá aberto para o surgimento de novas lideranças, novas causas, novos discursos e, por mais que eu não deseje, novos mitos.

VACINA IV

(Leitura: 3 min)

Em uma série de artigos anteriores sobre o tema, defendi o direito das pessoas decidirem individualmente se vão tomar as vacinas recém criadas para covid e a necessidade de campanhas governamentais de vacinação convencerem as pessoas ao invés de obrigá-las. Volto ao tema devido a acontecimentos recentes.

Como o presidente Bolsonaro andou defendendo a não-obrigatoriedade da vacinação, alguns entenderam meus artigos como uma defesa dele. Não são. Defendo o que acho certo, independente das companhias.

Ontem, a Anvisa suspendeu os testes com a vacina chinesa que vêm sendo conduzidos pelo Instituto Butantã devido à morte de um dos voluntários. O Butantã alegou que a morte não foi relacionada à vacina. Hoje, a Anvisa liberou a continuidade dos testes. Essa é uma questão técnica que deixo pras instituições envolvidas.

O que quero comentar é manifestação do presidente que, diante da suspensão dos testes, disse: “Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”.

Considero a declaração do presidente execrável. Ganha? Em que universo a morte de uma pessoa deve ser celebrada como ganho pra outra? Cadê o respeito pela vida? Onde ficou a dignidade humana? Mesmo que a morte tivesse sido causada pela vacina, qual o sentido de se comemorar o fracasso de uma tentativa de se combater uma doença mortal? Se preocupar com a origem da vacina em uma ditadura é válido. Criticar o uso político que um governador está fazendo do assunto é válido. Apontar o uso geopolítico que a China está fazendo da vacina é válido. Mas, celebrar o fracasso é lamentável sob qualquer aspecto. Esse conduta já seria terrível em um ser humano anônimo. Vinda do presidente do país, é bem pior, é um atestado de que ele não está à altura do cargo.

Diante disso, me resta o desejo cético de que a política brasileira produza lideranças alternativas que sejam viáveis e decentes.

VACINA III

(Leitura: 4 min)

A discussão se vacinas devem ou não serem obrigatórias é teórica, uma questão de princípios. Na prática, vai tomar quem quiser. E será a grande maioria. Não ficar doente costuma ser uma necessidade mais urgente do que defender princípios. A obrigatoriedade é parecida com a do voto, que é obrigatório na lei mas não é na prática.

O fato de a discussão ser teórica não a torna menos relevante. Princípios são importantes, ainda mais pra quem deseja que o hoje seja melhor do que o ontem e o amanhã melhor do que o hoje.

O que está em jogo nesse debate é o dilema entre o individual e o coletivo, entre a liberdade e a submissão. Se o governo pode injetar uma seringa no corpo da pessoa sem o consentimento dela, então, já não resta mais nem um mínimo de liberdade, não resta sequer soberania do indivíduo sobre o próprio corpo. Então, nos tornamos todos meras peças numa engrenagem maior sobre a qual não temos nenhum controle. Nos tornamos todos marionetes nas mãos de quem estiver no poder, de quem estiver no comando do estado. Nos tornamos uma sociedade de escravos.

Mas, Geraldo, é pelo bem dos próprios indivíduos… Então, convença-os. Ou deixe que eles enfrentem as consequências de suas decisões ruins. Não há liberdade sem o direito de ser tolo.

Mas, Geraldo, é pelo bem da coletividade… Se admitirmos que o governo pode violar os corpos de pessoas pacíficas pelo bem da coletividade, abrimos caminhos para uma séria de possibilidades sinistras. O bem coletivo é um conceito abstrato facilmente manipulável. Nunca existiu um tirano que não apelasse pra retórica do bem estar do povo.

E não nos esqueçamos que, se dermos ao governo o direito de controlar nossos corpos pelo suposto bem da coletividade, se dermos ao governo o direito de decidir o que vamos comer, beber ou injetar em nossos corpos, não há razão para esperarmos que vá parar aí. Se o governo sabe melhor do que nós o que é bom para nossos corpos, por que não saber também o que é melhor para nossas mentes? O próximo passo natural é controlar o que podemos ler, o que podemos ouvir, o que podemos ver e, finalmente, o que podemos pensar. Tudo pelo bem coletivo, é claro.

Já vimos esse filme outras vezes na história e sabemos onde esse caminho leva. Cabe a nossa geração decidir se queremos repetir os erros do passado.

VACINA II

Dado a persistência da polêmica, volto ao tema das vacinas pra covid. O presidente agiu mal em sua fala, desenorajou a vacinação? Talvez. Mas, não vejo como culpá-lo por defender a liberdade individual. Trata-se de item fundamental dos direitos civis. Primeira dimensão dos direitos humanos. Ademais, Bolsonaro é o que é do jeito que é. Não vai mudar.

Eu quero me dirigir é aos representantes públicos da ciência médica, aos especialistas que, supostamente, privilegiam o conhecimento à teimosia, estão abertos ao dialago, menos apegados a questões políticas e mais propensos a reverem suas posições diante de argumentos.

A questão em torno de a vacina ser ou não obrigatória é de pouca relevância. A grande maioria das pessoas vão querer se vacinar, querem viver, querem cuidar da saúde dos filhos. Se for feita uma campanha mostrando os benefícios e mitigando os riscos, com transparência e objetividade, as pessoas vão aderir, como aderem a outras campanhas de vacinação.

Mesmo a dicotomia entre vacina chinesa/russa versus vacina ocidental pode ser facilmente resolvida. Muita gente já deixou claro que não se importa com de onde a vacina vem. Então esses tomam as vacinas chinesas e russas que comseguirmos obter e as ocidentais ficam pro resto. Assim fica todo mundo feliz.

Já quando insistem em confrontar Bolsonaro ou defender obrigatoriedade ao invés de defender os argumentos favoráveis à vacina, demonstram viés político e ideológico e aumentam as desconfianças de uma parte considerável da população.

Os que preferem ter razão do que conseguir resultados que continuem polemizando.

VACINA

É possível ser favorável à vacinação em massa, ser um entusiasta das vacinas e, ao mesmo tempo, ser contra a vacinação obrigatória, ser contra o uso da força para coagir pessoas a fazer algo em relação ao qual elas não estão se sentindo seguras.

É possível estar ansioso para ver prontas pra uso vacinas desenvolvidas e produzidas com rigor científico em países democráticos e, ao mesmo tempo, ser cauteloso em relação à vacinas feitas às pressas e sem transparência por governos de ditaduras sinistras.

Já transformamos uma pandemia numa briga político ideológica em que a razão tem sido a maior perdedora. Seria bom não transformarmos a vacina nisso também.

Respeito à liberdade alheia, responsabilidade no trato com a vida das pessoas e relações humanas baseadas no consentimento são sempre bem vindas, especialmente de quem tem cargos de liderança e gestão pública.