“MINHA VONTADE É ENCHER SUA BOCA DE PORRADA”

Vejo a mídia e as redes sociais fervendo com a fala do presidente a alguém que o abordou durante uma caminhada. Vídeos circulam aqui e acolá. Uma pergunta sobre cheques é repetida em uníssono. Afirmações contrárias à existência da tal pergunta são declaradas fake news por agências de fact checking. Fico com vontade de dar meus pitacos. Seguem.

1. A frase é agressiva, mostra desequilíbrio emocional, é inapropriada para um presidente da república dizer em público, independente de quais sejam os motivos que o levaram a dizê-la.

2. Nos vídeos que circulam, só se ouve a frase do presidente. Não consegui achar nenhum em que se possa ouvir a pergunta ou comentário que o levou a reagir assim.

3. Assumir que o que provocou a reação dele foi uma pergunta sobre cheques depositados na conta da esposa, só porque alguém disse que é, é leviano e tendencioso.

4. Se a cena foi filmada a frase que provocou a reação também deveria estar audível. A ausência da frase é suspeita.

5. As tentativas de partidários do presidente de colar outra frase no lugar, alegando que a resposta foi sobre uma provocação maldosa sobre a esposa ou a filha, sem apresentar prova, também são levianas e tendenciosas.

6. Deveríamos ser menos crédulos sobre o que dizem políticos, jornalistas e influenciadores. Em tempos de celular e internet, não é difícil checar se há evidências do que foi dito.

7. Se corrermos a acreditar no foi dito só porque vem de encontro as nossas impressões prévias sobre os personagens envolvidos, vamos ser enganados sempre.

NATURAS, THAMMIES, TRANS E TOFOLLIS

A Natura é uma empresa privada e pode estrelar suas propagandas com o que ela quiser, seja homem, mulher, trans, capivara ou árvore. Comprar ou não produtos da natura é escolha de cada um. E é direito de cada um elogiar ou criticar, comprar mais ou boicotar.

O que assusta do noticiário recente é o presidente da Corte Suprema achar que ele e a instituição que ora preside são editores do país, que têm o direito de controlar o que os brasileiros dizem. Talvez queiram controlar também o que pensamos.

Como ainda não nos foi de todo cassado o direito de dizer o que pensamos, digo o que penso do conceito de pessoa trans. O comportamento sexual de uma pessoa é assunto dela. Bem como seu modo de se vestir, de se apresentar, de se comportar, enfim, suas escolhas de vida não são da conta de ninguém. Se uma pessoa do sexo masculino quer transformar seu corpo e seu comportamento a ponto de parecer uma mulher, está em seu direito. Porém, quando a pessoa quer impor, pela força do estado, que os outros a reconheçam como mulher, passou do ponto. Mulher é um conceito já bem definido. Já que a pessoa não quer ser considerada homem, que crie para si um novo conceito. Exigir para si o conceito de mulher é uma violência porque esse já tem dono, já é a identidade de um grupo bem definido. A pessoa pode se apresentar como mulher pra si mesma, pode até buscar convencer outras a lhe dar tal título, mas, obrigar a todos a aceitar tal ficção está errado. E fica ainda mais complicado quando a pessoa pleiteia o reconhecimento civil e as consequentes diferenciações de tratamento por parte do estado. O mesmo vale para uma pessoa do sexo feminino que faz o caminho oposto.

Cada indivíduo deve ser livre pra viver sua vida como melhor lhe convier. Cada grupo deve ser livre para construir seus espaços, realizar suas aspirações e serem respeitados. Porém, ninguém tem o direito de invadir um espaço que já é de outro, nem modelar o pensamento alheio, tanto no nível individual quanto social. Quer mudar o pensamento dos outros, seja sobre o mundo ou sobre você mesmo? Convença-os, obtenha o consentimento deles para os seus pleitos. Impor sua narrativa à força ou colonizar um território que já tem outro dono não é progresso, é só mais uma ciclo de violência.

QUEM FOI HUMILHADO?

Vejo os jornais cheios de manchetes do tipo “Desembargador humilha guarda municipal em Santos” ou variantes dessa frase, onde se detalha o caso de um desembargador que, ao ser multado por não estar usando máscara ao caminhar em via pública, se irrita, chama o fiscal de analfabeto, liga para o Secretário de Segurança do Município, rasga a multa e tenta intimidar o fiscal com a famosa frase brasileira “Você sabe com quem está falando?”.

Pode-se discutir se decretos municipais obrigando o uso de máscaras são ou não constitucionais e outros pontos jurídicos e sociais relativos ao uso obrigatório de máscara em geral, mas, esse post não é sobre isso. O que me chamou atenção foi o recorrente uso da palavra HUMILHAÇÃO nas machetes de jornais e sites de notícias.

Acredito que a imprensa deve ser livre pra se expressar do jeito que achar melhor e o Estado só deve interferir via judiciário se alguém que se sinta prejudicado reclamar. Isso devia ser óbvio mas é sempre bom relembrar. No entanto, isso não impede que critiquemos a imprensa e a responsabilizemos pelas percepções que ela gera nas pessoas.

Acho o verbo humilhar extremamente inadequado para descrever o que ocorreu. O que vemos é um fiscal fazendo o trabalho para o qual é pago, agindo de forma profissional diante de um cidadão mal educado, arrogante, prepotente e, ao que tudo indica, um péssimo funcionário público, que usa seu cargo como um suposto título de nobreza fora de época, que deveria ser julgado e punido adequadamente, coisa que não vai acontecer porque nossas leis são lenientes com funcionários públicos ruins, especialmente quando pertencem ao judiciário. Porém, o fiscal não tem nenhum motivo para sair da cena humilhado. Pelo contrário, ele tem motivo é pra sair satisfeito consigo mesmo e ser elogiado por sua conduta e profissionalismo neste caso.

Acredito que a imprensa presta um desserviço ao criar essa narrativa de humilhação. Dá ao agressor um poder ao qual ele não faz jus. Dizer que o desembargador humilhou alguém é reconhecer nele uma suposta superioridade que ele não tem, é fazer dele um senhor de pessoas quando ele é apenas um funcionário público, cuja função é servir e não exigir. Só se humilha quem se permite se humilhar. Um funcionário público que está fazendo seu trabalho como o fiscal não tem motivo pra se sentir humilhado. Ao insuflar tal narrativa a imprensa incentiva uma atitude vitimista e perde a oportunidade de promover valores positivos e estimular a auto estima dos trabalhadores honestos.

PELA LIBERDADE DE EXPRESSÃO!

Uma pesquisa divulgada hoje, 18-Jun-2020, pelo DataSenado (Instituto de Pesquisas do Senado Federal), afirma que 84% dos brasileiros são favoráveis à criação de uma lei de combate às fake news. A pesquisa tem lá sua margem de erro. Mas, não duvido desse número. Muita gente é influenciável por campanhas massivas de mídia. Por isso, me sinto na obrigação de fazer um apelo aqui pra minha bolha de contatos. Se você está entre esses 84%, reflita um pouco mais sobre isso. Não existe controle de notícias falsas. Existe controle de notícias. Se for dado a alguma instituição o poder de determinar o que é notícia, as pessoas que a compuserem irão inevitavelmente barrar notícias que lhes incomodem e deixar passar notícias que ratifiquem suas crenças, desejos e interesses. Não farão isso porque são más, desonestas ou incompetentes. Farão isso porque são humanas. É da natureza humana olhar com mais boa vontade o que nos agrada e com um viés mais crítico o que vai contra nossos valores e crenças. É da natureza humana julgar com mais rigor os desafetos e ser mais leniente com os amigos. Quem nunca criticou duramente uma pessoa de que não gostava e, depois de conhecer melhor a pessoa e fazer amizade com ela, passou a ver seus defeitos como maus menores, que atire a primeira pedra. Algumas notícias falsas podem ser fáceis de identificar, mas, na maioria das vezes, a separação entre o que é falsidade e o que é opinião é sutil, é subjetiva, e é por isso que tal análise tem de ficar a cargo de cada espectador, não de uma autoridade supostamente mais iluminada. O nosso país já dispõe de uma variedade de leis e institutos legais que permitem a correção de eventuais excessos de liberdade de expressão. Quem se sentir prejudicado pode procurar a justiça. Não há necessidade de mais lei nessa área. Qualquer lei que seja criada com intuito de evitar notícias falsas, mesmo que com as melhores intenções, será fatalmente usada pelas autoridades de plantão para calar adversários. Sei que é tentador buscar maneiras de calar quem diz coisas que achamos desprezíveis, especialmente quando essas pessoas estão no governo. Mas, lembrem-se, governos passam, quatro anos é um pulinho em termos de história. Já liberdades perdidas são difíceis de se reconquistar. A liberdade de expressão em nosso país é uma conquista recente e que custou muita luta. Não deixemos que ela se perca tão rápido. Não aceitemos tão fácil a volta da censura.

PROFISSIONAIS DE SAÚDE AMERICANOS DEFENDEM AGLOMERAÇÃO CONTA RACISMO

1288 profissionais de saúde pública, especialistas em doenças infecciosas e representantes de comunidades nos Estados Unidos publicaram uma carta aberta defendo a aglomeração durante a pandemia para protestar contra o racismo.

Algumas das recomendações da carta se destacam:

. “Apoiar os governos locais e estaduais na defesa do direito de protestar e permitir que os manifestantes se reúnam”.
. “Não dispersar os protestos sob o pretexto de manter a saúde pública por restrições à COVID-19”.
. “Defender que os manifestantes não sejam presos ou mantidos em espaços confinados, incluindo prisões ou vans da polícia, que são algumas das áreas de maior risco para transmissão COVID-19”.
. “Rejeitar as mensagens de que o uso de máscaras é motivado pelo desejo de ocultação e, em vez disso, celebrar rostos cobertos como proteção à saúde pública no contexto do COVID-19”.
. “Preparar-se para um número maior de infecções nos dias após um protesto. Proporcionar maior acesso para testar e cuidar de pessoas nas comunidades afetadas, especialmente quando elas ou suas famílias os membros se arriscam participando de protestos”.

De duas uma: Ou a causa que a pessoa defende a torna imune a contrair e transmitir o vírus; Ou estamos diante de um caso flagrante de dois pesos e duas medidas.

Goerge Orwell nunca foi tão atual. Viva o duplipensar.

Confie na ciência, eles disseram. A ciência está acima de partidos e ideologias, eles disseram.

Link para a carta original em inglês.

EDUARDO BOLSONARO X EMBAIXADA CHINESA

Alguns pitacos sobre o imbróglio entre Eduardo Bolsonaro e a Embaixada Chinesa:

1. Não sou fã do Eduardo. Não vou gastar uma palavra defendendo as ideias dele.
2. Ele é deputado federal. A constituição diz que ele tem imunidade pra dizer o que quiser. Não pode ser censurado.
3. Tal imunidade vale pra qualquer deputado, independente de partido, ideologia ou simpatia.
4. Se nem o estado brasileiro pode calar um deputado, muito menos o estado chinês é que vai poder pedir a cabeça de um parlamentar brasileiro.
5. A embaixada chinesa querer calar um parlamentar brasileiro me parece muito mais grave do que qualquer coisa que o parlamentar fale.
6. Quem tá indo pra Internet pra criticar um deputado brasileiro, tá no seu direito. Porém, será que um cidadão chinês pode ir pra Internet criticar o filho do presidente chinês sem temer represálias?
7. Somos brasileiros. Nossas eventuais diferenças políticas e ideológicas não deveriam nos levar a confundir questões cuja gravidade para nosso país é de ordens de grandeza distintas.