ORGANIZANDO AS IDÉIAS

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Talvez, a característica que mais nos diferencia de outros animas seja nossa capacidade de abstração, nossa capacidade de imaginar além da realidade presente e raciocinar com base em cenários imaginados, refletir sobre o passado e projetar possíveis futuros.

Todos nós temos a capacidade de pensamento abstrato e, suponho, não há bicho humano que não o pratique. Mas, muitos de nós, têm a tendência a misturar tudo num único plano. Realidade, possibilidades, valores, sentimentos, tudo misturado, um plano unidimensional de pensamento. Porém, alguns humanos conseguem segmentar o pensamento em vários níveis de abstração e raciocinar, debater, planejar e agir em cada nível distinto sem perder o rumo e sem deixar que uma linha de conduta atrapalhe a outra. É uma habilidade fascinante, muito útil e que acredito que mereça ser cultivada e aperfeiçoada.

Eu costumo dividir o pensamento abstrato em quatro níveis principais e tentar me manter consciente sobre em qual nível eu estou em cada iniciativa. Os quatro níveis são: O ótimo, o bom, o regular e o dane-se.

O nível do ótimo é o nível da utopia. É onde pensamos em como as coisas deveriam ser. É onde sonhamos com um mundo perfeito, onde todos, de algum modo, são felizes e realizados, ou pelo menos todos que importam pra nós. É o nível onde vamos para recarregar as esperanças.

O nível do bom é o nível do otimismo racional. É o nível da melhoria possível no curto e médio prazo. É onde pensamos em como as coisas podem ser um pouco melhores, partindo da realidade presente e avançando em meio a todas as imperfeições das pessoas e das coisas. É o nível dos planos detalhados e das iniciativas concretas.

O nível do regular é o nível da realidade presente. É o nível da sobrevivência. É o nível onde lidamos com problemas imediatos, com gente inconveniente e limitações de todo tipo. É onde ganhamos a vida, pagamos as contas, amamos e odiamos, choramos e rimos e damos um jeito de manter e ampliar as forças para podermos caminhar em direção aos níveis do bom e do ótimo.

E, por fim, temos o nível do dane-se. Porque não somos de ferro. Porque tem hora que a gente cansa, que precisa de um refresco. É onde damos um tempo de todos os problemas e relaxamos. É onde corremos pro boteco pra tomar uma gelada, ou pra igreja pra fazer uma prece, ou pra um soluço num ombro aconchegante. É onde assumimos nossas fraquezas e buscamos alívio. É onde desistimos por hoje de deixamos pra lutar outro dia.

Saber navegar pelos quatro níveis me parece bastante útil e necessário para uma vida sã e produtiva. Ter consciência sobre em que nível se está em cada situação é melhor ainda. Perceber em que nível o outro está e ter empatia na convivência com ele é a perfeição, o estado da arte nas relações humanas.

AUTOCRÍTICA LIBERAL

(Leitura: 5 min)

Por décadas, liberais, conservadores, direitistas e outras tribos que se opõem à visão de mundo dos socialistas vem acusando, com razão, o socialismo de ser um caminho inexorável para a pobreza e a miséria.

Esse era um argumento fácil. Bastava olhar para a Coréia do Norte, para os diversos países que saíram da influência soviética ávidos por capitalismo, para os cubanos cubanos famintos se lançando ao mar sob jangadas improvisadas tentando chegar a Miami, para os Venezuelanos fugindo pra Roraima.

Nos últimos anos isso mudou um pouco. O argumento continua sendo uma verdade estatística. Mas, sua verdade absoluta caiu. Como o método científico determina, basta um contra exemplo para negar uma tese. E agora temos o contra exemplo da China.

A ascensão da China deixou claro que é possível ser socialista e ser rico. A sensibilidade da economia mundial ao que acontece na China e a influência do governo chinês em tantas partes do mundo não deixam dúvida. Um país socialista pode se tornar não apenas rico, como também uma potência econômica mundial.

Nesse ponto, alguém deve estar dizendo: Mas, a China não é mais socialista de verdade, é socialista só no nome. Não devemos tomar esse caminho, sob pena de sermos hipócritas. Da mesma forma que criticamos os socialista que, confrontados com os desastres de outros países que tentaram o socialismo, respondem que não foi o socialismo de verdade, que a URSS ou qualquer outro projeto socialista fracassado desvirtuou o socialismo, seria ridículo clamar que a China não é o verdadeiro socialismo agora que ela é um sucesso pelo menos na economia. O controle do PCC sobre tudo que acontece na china continua absoluto. É socialismo sim.

Outra coisa que a China demonstrou é que socialismo não é o contrário de capitalismo. Empresas do mundo todo, nascidas e criadas sob regimes capitalistas, se sentem super confortáveis fazendo negócios com a China, se instalando no território chinês e se ajustando de bom grado aos controles sociais chineses. Empresas chinesas, capitaneadas pelo governo socialista, se expandem para o mundo e se adaptam sem constrangimentos ao modos operandi dos países capitalistas.

Então, tá na hora de admitir que o socialismo funciona? Creio que não. Tá na hora de admitir que ele nem sempre leva à pobreza e à miséria. Na maioria das vezes leva, sim. Os inventivos são todos errados, despertando o pior das pessoas. Mas, com alguns ajustes, e algumas circunstâncias favoráveis, pode vir a ser um sucesso econômico. Só que nem só de economia é feita uma sociedade.

O que a comparação dos países ocidentais com a China também prova é que uma sociedade aberta, moderna, civilizada, é muito mais do que economia. Uma sociedade civilizada envolve direitos civis, direitos políticos, possibilidade de pleitear direitos sociais, envolve liberdade de expressão e de organização, envolve estado de direito, instituições diversas que protejam os indivíduos contra o excesso de poder do estado. É em todos esses avanços civilizatórios conquistados nos últimos séculos pelas sociedades abertas ocidentais que devemos pensar ao lidar com a China e seu projeto de hegemonia do socialismo chinês.

A crítica ao socialismo precisa evoluir. Apontar a montanha de miséria produzida por quase todos os projetos socialistas é importante. Mas, é cada dia mais importante destacar o que o socialismo produz de violência, de segregação, de violação dos mais básicos direitos humanos. O contrário de socialismo não é capitalismo, é liberdade.

BASE BOLSONARISTA

Bolsonaro rompe de vez com a Lava Jato. Alguns especulam que isso pode impactar sua base de apoio popular. Acho que impacta bem pouco. Segue o porquê.

O bolsonarismo foi erguido sobre três pilares. Combate à corrupção, liberalismo econômico e conservadorismo moral. Os três pilares contribuíram pra eleição do Bolsonaro. Mas, um é principal e dois são acessórios. Vamos ver mais de perto cada pilar.

O combate à corrupção foi o sopro que fez renascer a direita no Brasil. A direita tava hibernando deste o fim melancólico da ditadura militar. Tava envergonhada, com a cabeça enfiada na terra feito uma avestruz, mas, não tava morta. Boa parte do brasileiro médio sempre foi de direita. Só passou três décadas com vergonha de falar isso em voz alta.

A direita começou a renascer antes da Lava Jato. O primeiro ato que pôs o combate à corrupção na ordem do dia foi o Mensalão, que bateu direto no PT mas também resvalou no PSDB. A lava jato consolidou esse movimento. Os dois sabores de esquerda que mandavam no país foram arranhados. Os dois polos de poder político no país ficaram abalados. Tava aberto o espaço pra direita renascer. Bolsonaro e seu grupo estavam no lugar e hora certos pra ocupar esse espaço. O pilar do combate à corrupção botou o bolsonarismo de pé, mas, não é o que o sustenta.

O voto do pessoal revoltado com tanta corrupção ajudou Bolsonaro, mas, teve outro grupo importante. O pensamento liberal com foco na economia já vinha surgindo no Brasil desde os tempos do FHC e, nos últimos anos, ganhou razoável apelo popular em algumas camadas da população. Além de contar com o apoio de boa parte do empresariado. Em 2016, liberalismo reprentava voto e, principalmente, apoio econômico. O bolsonarismo soube cativar esse apoio também. E nem foi difícil, bastou colocar no barco o Paulo Guedes e dizer que ele teria liberdade pra fazer política econômica liberal. O liberais tinham que pagar pra ver, afinal, não tinham outro candidato viável mesmo. Mas, combate à corrupção e liberalismo econômico ainda não eram suficientes pra fazer um movimento vencedor. É aí que entra o terceiro pilar.

Uma boa parte dos brasileiros são conservadores, moralistas, do tipo que pode até sair escondido com um travesti, mas, não quer ver beijo gay na TV, pode até ter amante, mas, acredita firmemente na família tradicional. Pode não cumprir nenhum dos dez mandamentos, mas, se considera religioso à moda antiga. As diversas iniciativas recentes que tentaram reformar a sociedade brasileira na marra, notadamente no governo petista, deixaram esse pessoal no limite. Estavam prontos para reagir. O bolsonarismo deu a eles o meio e a oportunidade.

Somou-se a esse pilar da moral o pessoal que despreza qualquer conversa sobre aborto e o pessoal que se assusta com qualquer conversa sobre relaxamento da repressão às drogas. Se sentiu representado também o pessoal que não aguenta mais os exageros da militância ambientalista. E o bloco foi engrossando.

Por fim, esse pilar também foi reforçado por muita gente cansada de ser assaltada, sequestrada e estuprada e ver o estado se preocupar mais com os direitos dos criminosos do que com o direito das vítimas. Por muita gente que desistiu de esperar segurança do estado e quer se defender por conta própria. Todos esses grupos que se sentem vítimas das transformações sociais das últimas décadas tornaram o pilar da moral conservadora robusto o bastante para ser a força de sustentação do bolsonarismo. Isso somado aos pilares auxiliares do combate à corrupção e do liberalismo econômico, botaram o bolsonarismo no poder.

O pilar de sustentação, que mais encontra eco na população brasileira, é o conservadorismo moral. É por isso que o bolsonarismo pode se dar ao luxo de mandar o Moro pra oposição e decretar a morte da Lava Jato. É por isso que podem fritar o Paulo Guedes em fogo brando. Mesmo que os economistas liberais saiam todos do governo o pilar principal continua de pé. As pessoas que sustentam o pilar principal podem até ficarem chateadas com alguma concessão do governo ao centrão, mas, continuarão fiéis. Elas não têm outra opção viável e sabem que não terão tão cedo. Enquanto o discurso de Bolsonaro for favorável à proibição do aborto, à repressão às drogas, ao combate à ideologia de gênero e ao direito de defesa, estarão com ele.

O enfraquecimento dos pilares do combate à corrupção e do liberalismo econômico causam algum desgaste ao bolsonarismo. Mas, isso pode ser compensado com populismo, com políticas de assistência social que tragam pro bolsonarismo outro público, uma massa de miseráveis que nas últimas décadas se especializaram em viver de ajudas governamentais.

Talvez, esse rearranjo seja suficiente para garantir que o bolsonarismo continue sendo uma força dominante. Talvez não. Creio que isso vai depender também dos demais atores políticos do país e seus movimentos. Uma coisa é certa, sem graça nosso futuro político não será.

MAIORIAS, MINORIAS E DEMOCRACIA LÍQUIDA

(Leitura: 25 min)

1. UM POUCO DE HISTÓRIA

Recentemente escrevi sobre maiorias silenciosas e minorias barulhentas. Um colega comentou que a ordem institucional no Brasil e no mundo muitas vezes representa mais as minorias do que a maioria. Aproveitando a proximidade de mais uma eleição, proponho refletirmos sobre como a democracia representativa tende a superestimar os interesses das minorias mais organizadas e barulhentas e menosprezar a vontade da maioria silenciosa, e sobre como seria possível mitigar essa tendência.

Primeiro, vamos considerar o plano internacional. Aí, não parece haver muito que se possa fazer, já que as relações entre países, por mais que formas de governança planetária tenham sido ensaiadas nas últimas décadas, ainda são mais anárquicas do que democráticas. No entanto, os líderes e representantes que atuam em nome de seus países são eleitos democraticamente por seus respectivos povos, pelo menos nos países democráticos. Então, mesmo que as relações internacionais não sejam formalmente democráticas, serão tão mais democráticas quanto mais democráticas forem as escolhas dos representantes de cada país. É aí, no plano interno de cada país, que há muito espaço para melhoria da representatividade. E é sobre isso que quero refletir, considerando principalmente o cenário brasileiro, afinal, eu sou brasileiro, pretendo continuar vivendo aqui e acredito que, por mais que as experiências de outros países sirvam de exemplos e de aprendizado, precisamos encontrar soluções nossas para nossos próprios problemas.

A democracia representativa começou a tomar forma no século XVII e se consolidou no século XVIII, notadamente a partir da formação dos Estados Unidos da América. Houveram sociedades democráticas anteriores, como a Grécia antiga entre outros exemplos, mas, foram experiências muito diferentes e em escala muito menor. O formato de democracia que conhecemos e usamos hoje nasceu no século XVIII. É preciso reconhecer que para aquela época foi um avanço civilizatório magnífico. Desde então, mais de dois séculos já se passaram. A existência humana passou por consideráveis transformações materiais, sociais e culturais. As tecnologias que usamos hoje pareceriam mágica para muita gente daquela época; Discriminações entre as pessoas se tornaram intoleráveis. A velocidade das comunicações transformou o planeta numa aldeia global. Queiramos ou não, vivemos rodeados pelos barulhos dos vizinhos. No entanto, a democracia inventada naquela época não mudou quase nada. Continuamos votando apenas de quatro em quatro anos para escolher representantes que irão exercer poder pelos anos seguintes, teoricamente, em nome dos eleitores. Porém, enquanto os eleitores voltam para casa e só irão se manifestar novamente quatro anos depois, os eleitos agem como donos do país, do estado ou da cidade, respondendo apenas a grupos que consigam se organizar e incomodá-los continuadamente.

No século XVIII esse modelo fazia todo sentido. A população de Massachussets, por exemplo, levava dias para seu reunir e eleger alguns representantes que, por sua vez, iriam levar dias até chegar a Washington e se reunir a outros representantes do resto do país e tomar decisões. Qualquer decisão tomada pelo governo na capital irar levar dias, talvez semanas, para ser conhecida no território todo. Qualquer projeto aprovado iria levar meses, talvez anos, para ser implementado e afetar a vida de todos os cidadãos do país. Não dava pra imaginar coisa mais viável e democrática do que a eleição de representantes. Hoje, quando uma decisão tomada na Casa Branca se torna imediatamente conhecida não só em todo território americano, mas, em todo canto do planeta em segundos, afetando a vida de gente no nundo todo instantaneamente, será que ainda faz sentido continuarmos usando o mesmo modelo de representação?

2. LIMITES DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

E há outros problemas. No Brasil, por exemplo, sempre que um governante federal se vê diante de resistências aos seus projetos ou ameaçado por impeachment, costuma esbravejar: Eu foi eleito por tantos milhões de eleitores, a vontade desses eleitores tem de ser respeitada! Ora, foi eleito por tantos milhões de eleitores há um, dois ou três anos atrás. Será que se os eleitores fossem consultados agora votariam do mesmo jeito? Não sabemos e não é viável organizar uma eleição nacional a cada mês para perguntar-lhes. Da mesma maneira, sempre que um grupo de interesse consegue botar algumas centenas de milhares de pessoas nas ruas das capitais do país defendendo alguma causa, já vêm logo com aquela prosa tipo: A opinião pública está a nosso favor! Será? O que significa algumas centenas de milhares de militantes barulhentos diante de dezenas de milhões de eleitores? Será que a maioria dos eleitores se sentem representados? Hoje, não há como saber. Pode se fazer pesquisas usando tecnologias estatísticas que permitem captar de forma aproximada a opinião média, mas, sempre haverá margem de erro e nem todos vão confiar nas instituições que realizam as pesquisas. Não é, portanto, um meio oficialmente válido de aferir a vontade dos eleitores.

Há ainda as recorrentes suspeitas de fraudes em eleições e a impossibilidade de se auditar uma eleição de ponta a ponta na democracia representativa, devido ao fato de o voto ser secreto. Pode-se partir do total de votos e rastrear cada voto até a urna da qual ele saiu, mas, nunca se poderá chegar até o eleitor para perguntar se ele realmente votou naquele candidato. Mesmo que se implemente impressão dos votos, o rastreamento até o eleitor continuará impossível e, portanto, não se pode falar em um sistema totalmente auditável.

O que pode ser feito, então? Na minha opinião, a democracia representativa já cumpriu o seu papel. Seu tempo histórico já se foi. Nosso tempo, nosso modelo de sociedade, nosso modo de vida tecnológico demanda um novo modelo de democracia. Que seja confiável e auditável; que garanta um vínculo permanente entre eleitor e eleito, de modo que o eleitor seja efetivamente representado no poder; e que seja dinâmico o suficiente para responder às mudanças nas circunstâncias, no comportamento do eleito e na vontade do eleitor.

Se alguém leu até aqui talvez esteja pensando em democracia direta ou semi-direta. Não tô falando de democracia direta. Seria impossível colocar toda a população brasileira na praça dos três poderes para deliberar sobre alguma coisa como se estivesse numa ágora grega. Poderia se implementar voto online, mas, não seria suficiente. A quantidade de decisões que são tomadas todos os dias em qualquer parlamento e em qualquer governo demanda gente especializada e com muito tempo dedicado. Além disso, qualquer pessoa que já tentou administrar uma um boteco ou uma república de estudantes sabe que não se resolve nada com um bando de gente falando ao mesmo tempo. É preciso estrutura, delegação de tarefas, divisão do trabalho, enfim, decisões coletivas e administração de interesses comuns é complexo e demanda organização e pessoas capacitadas. Democracia direta não é viável nem em escala municipal, muito menos estadual ou nacional. Já a democracia semi-direta (plebiscitos, referendos, iniciativa popular e recall) é interessante e tem suas aplicações, mas, nem passa perto de resolver os problemas essenciais da democracia representativa.

3. APRESENTAÇÃO DE UM NOVO MODELO

O que eu proponho então? Creio que está na hora de começarmos a pensar seriamente na democracia líquida. O que é isso? É um conceito relativamente novo, que vem sendo desenvolvido por grupos diversos ao redor do mundo. Não é uma fórmula pronta e acabada, mas, um conjunto de idéias e propostas que podem levar à construção de um modelo democrático muito mais adaptado ao nosso tempo. Não vou esgotar o tema. Isso estaria muito além da minha capacidade e do escopo desse post. Quem tiver interesse dá um google em “democracia líquida” e vai achar muita informação. Eu vou apenas propor algumas idéias relacionadas ao tema que me parecem pertinentes e sobre as quais convido as pessoas a pensar a respeito.

O ponto que eu acho essencial é mudar a relação entre o eleitor e o eleito. Chega de dar poder a alguém e vê-lo dono de nosso destino por quatro longos anos. O eleito não deve ser dono do voto do eleitor, deve ser um procurador. Quando estabelecemos um procurador para nos representar (um advogado, por exemplo) ele só nos representa enquanto estivermos satisfeitos com o trabalho que ele está fazendo. Se perdemos a confiança no trabalho dele, seja por duvidar de sua competência ou de sua honestidade, demitimos ele e contratamos outro. Nossa relação com um político tem de ser a mesma. Temos de ter meios de dar o voto e retirar o voto a qualquer momento. Dá pra implementar isso? Com a tecnologia que já temos disponível hoje, dá. O TSE (ou outro órgão mais adequado, mas, isso já é outro assunto) constrói um sistema no qual todo eleitor pode, a qualquer momento, se conectar usando um computador ou um celular e escolher seu representante em qualquer instância política, seja a câmara municipal, a prefeitura, a assembléia estadual, o governo do estado, a câmara federal, o senado ou a presidência da república. Mas, isso é seguro? Ora, a maioria de nós faz algo semelhante pra acessar nosso banco e fazer transações com nosso dinheiro, por que não fazer com o voto? E as pessoas que não tem acesso ou não sabem lidar com tecnologia? A justiça eleitoral pode manter quiosques disponíveis para elas em locais acessíveis, com telas bem simples, de tal modo que qualquer pessoa que use uma urna eletrônica hoje consiga usar o novo sistema. A demanda por estes quiosques seria pequena e decrescente.

E como funcionaria isso? Os partidos escolheriam seus candidatos, que se registrariam no sistema e se tornariam votáveis. Candidatos avulsos também seriam bem vindos. As candidaturas poderiam ser registradas a qualquer tempo. A votação seria contínua. O eleitor tanto poderia escolher um representante para um cargo para o qual ele ainda não escolheu nenhum quanto trocar uma escolha anterior por um novo nome.

E como vamos saber quem ganhou, quem efetivamente assume os cargos? Imagino modelos ligeiramente diferentes para eleições legislativas e executivas. No legislativo, toma-se o número total de eleitores que votaram e divide-se pelo número de integrantes que queremos na casa legislativa. Quem representar pelo nenos o número mínimo de votos, assume uma cadeira. Vejamos um exemplo com base nos números aproximados da eleição pra Assembléia Estadual de Minas em 2018. Tivemos 10 milhões de votos e 77 vagas de deputado pra preencher. Desse modo, teríamos 10 milhões divididos por 77 igual a, arredondando, 130 mil. Ou seja, quem representasse 130 mil eleitores teria uma cadeira na assembléia. Alguns talvez tivessem mais votos do que isso. Por isso, creio que seria importante que o voto de cada parlamentar tivesse peso proporcional à quantidade de eleitores que ele representa. E os votos que foram para candidatos que não obtiveram os 130 mil votos? Aí, haveriam duas opções. Uma opção que o eleitor teria é mudar seu voto para outro candidato que parecesse lhe representar quase tão bem quanto e, assim, mais candidatos iriam chegando ao mínimo de 130 mil votos. A segunda opção, e aí entramos em outra característica interessante da democracia líquida, seria a delegação de votos. Da mesma forma que um eleitor delega seu voto a um representante, um representante pode também delegar seus votos pra outro. Se o José obteve 50 mil votos, ele não conseguirá uma cadeira, mas, ele pode chegar a um acordo com a Maria, colega que defende ideias e propostas semelhantes às dele, que obteve 90 mil votos e também não conseguiu sua cadeira, e delegar seus votos para ela, de modo que agora Maria terá 140 mil votos e conseguirá sua cadeira, ficando os eleitores de Maria e de José agora representados na câmara. Ora, mas, aí, não iria descambar pra compra e venda de votos, pra acordos entre candidatos que não tem qualquer semelhança a não ser o desejo de obter algum poder? Não creio. Lembrem-se que o voto é dinâmico, a votação é contínua, o eleitor pode mudar o voto a qualquer momento. Se o eleitor de José não se sentir representando por Maria, o acordo entre os dois não vai durar nada. No dia seguinte os eleitores de José mudam seus votos para outro candidato ou pra nenhum, a representatividade de José cai de 50 mil pra meia duzia de votos e Maria perde novamente sua cadeira na câmara. A delegação de votos só é efetiva se os eleitores se sentirem representados por ela.

No executivo suponho que teria de ser um pouco diferente. Como há só uma vaga e é necessário uniformidade de atuação do governo, nem todos os eleitores poderão ser representados, terá de haver governo e oposição. Porém, é desejável que o governo represente o máximo possível de eleitores. Imagino um modelo em que, para assumir o governo, um candidato ao executivo precisa representar dois terços do eleitorado. Pra isso, além de seus próprios votos, ele pode fazer coalização com outros candidatos e obter delegação de votos (conceito explicado acima quando falamos da eleição parlamentar). E se ninguém conseguir os dois terços? Continua-se as negociações entre os candidatos detentores de soma significativa de votos, ao mesmo tempo em que os eleitores podem se manifestar mudando sues votos, até que se chegue a uma coalizão viável. Enquanto isso o governo é exercido pelo executivo anterior ou, na falta dele, pelo chefe do legislativo com poderes limitados. Só que, no caso do executivo, diferentemente do legislativo, é preciso haver critérios distintos para ganhar a cadeira e para perder a cadeira. Imagine o seguinte cenário: Dia 1: um candidato João consegue os dois terços do votos e assume; Dia 2: 1% dos eleitores mudam de ideia, o João perde o cargo; Dia 3: um candidato obscuro que tem 1% dos votos adere ao João, o João assume de novo; e assim por diante. Não dá. Nenhum governo funcionaria com essa instabilidade. Imagino que, uma vez que alguém assume o cargo, teria que ter algum tempo e tranquilidade para montar um governo e implementar seus planos. Penso que um bom critério para um chefe do executivo perder o cargo seria sua base eleitoral baixar de dois terços para menos de um terço. Então, se o governo começasse a ir mal, veríamos eleitores retirando seu voto ou mudando seu voto pra candidatos de oposição. A princípio isso seria um movimento esperado pelo governo. Ninguém consegue agradar a todos. Porém, se a insatisfação fosse grande, a ponto de menos de um terço dos eleitores continuar apoiando o governo, ele perderia automaticamente o cargo e o processo de formação de um novo governo começaria. Além disso, saberíamos, o tempo todo, a qualquer momento, qual a real representatividade de um governante.

4. DESAFIOS E POSSIBILIDADES

A essa altura, talvez vocês estejam pensando que esse sistema seria muito instável, com políticos assumindo e caindo o tempo todo. Eu acredito que no início seria meio instável mesmo. Mas, com o passar do tempo, as pessoas se acostumariam com o modelo. Os políticos se veriam obrigados a cassar votos fazendo propostas factíveis, afinal, não durariam muito se traíssem seus compromissos e também aprenderiam a representar melhor os eleitores, que estariam de olho e teriam poder para avaliá-los de fato o tempo todo. Os eleitores se veriam obrigados a votar com mais responsabilidade e acompanhar a atuação de seus representantes. O sistema acharia um equilíbrio.

Agora, precisamos tratar do que, a meu ver, é o principal prolema desse modelo. O voto teria que ser aberto. Seria muito difícil de manter a segurança e integridade de um sistema desses se os votos fossem secretos. Existem soluções tecnológicas para votações online e secretas, mas, não creio que seriam suficientes. Um sistema de votação continuada, com mudança de votos a qualquer tempo, com delegação de votos, seria impossível de ser mantido íntegro e seguro sem auditoria de uma ponta a outra. Seriam inevitáveis votos sumirem aqui e aparecerem acolá. Só voto aberto daria conta.

Mas, acabar com o voto secreto seria mesmo um problema? Vejamos. A ideia de votação secreta fazia todo sentido numa época de famílias patriarcais, coronelismo, currais eleitorais e outras relações sociais de subordinação violenta ou opressiva. Mas, atualmente, com o grau de liberdade individual e garantias fundamentais que experimentamos, me parece razoável que cada um faça suas escolhas políticas livremente e assuma responsabilidade por elas. Talvez o voto aberto ainda possa ser problemático em favelas controlados por traficantes ou milícias, mas, vamos pensar francamente: com toda a ausência de direitos básicos e proteção do estado que tais comunidades enfrentam, a dificuldade de exercer os direitos políticos está longe de ser o maior dos problemas.

Alguém deve estar se lembrando que a Constituição de 88 define como cláusula pétrea o “o voto direto, secreto, universal e periódico”. É verdade. Mas, também é verdade que a constituição possui normas principiológicas, que devem ser interpretadas à luz do desenvolvimento presente da sociedade brasileira, como é fartamento exemplificado pelos acórdãos e súmulas do STF em diversos temas, e também é verdade que muita coisa mudou na nossa sociedade entre 1988 e o momento atual. Pretendo demonstrar que o que proponho não ofende de modo algum a essência do artigo 60 acima citado. Primeiro, o voto deve ser direto, o que significa que cada voto deve ter o mesmo peso. O sistema que proponho torna o voto ainda mais direto, então, não vejo problema aqui. Segundo, o voto deve ser universal, isto é, todos devem ter direito a votar sem discriminações. Não se mexe nisso. Terceiro, o voto deve ser periódico. Aqui, pode haver algum problema de interpretação. Alguém pode argumentar que a possibilidade de voto contínuo que proponho não é voto periódico. Acredito que no voto contínuo apenas se reduz o período a um tempo bem pequeno, não mudando a essência da ideia, que é a possibilidade de o eleitor reavaliar seus representantes com alguma frequência. Pelo contrário, a democracia líquida aumenta muito essa possibilidade. Por fim, vamos examinar a questão do voto secreto. Acredito que a essência dessa norma, quando colocada pelo legislador em 1988, era a necessidade de garantir que o eleitor não será perturbado ao exercer seus direitos políticos, que será livre para escolher quem lhe representa, que não será compelido por qualquer força exterior à sua autonomia individual a votar contra sua própria vontade. E acredito também que o sistema que proponho cumpre essa necessidade essencial melhor que o voto secreto. O eleitor terá a garantia de poder exercer seu voto. Nenhum contratempo poderá impedir que o eleitor vote, afinal, se ele não conseguir fazê-lo hoje, poderá fazê-lo amanhã com a mesma eficácia. Se for compelido de algum modo a votar diferente de sua vontade, poderá corrigir seu voto a qualquer momento futuro, além de poder procurar a polícia e/ou a justiça para punir o constrangimento ilegal de que foi vítima. Além disso, terá a garantia de que não foi vítima de qualquer tipo de fraude, posto que poderá, a qualquer tempo, conferir se seu voto está corretamente registrado no sistema e alterá-lo se desejar. Assim, sendo, acredito que em um sistema de democracia líquida, a liberdade de exercer os direitos políticos que a Constituição de 88 quis resguardar não só estará garantida, como estará sendo levada a um patamar mais avançado, não podendo, portanto, se falar em inconstitucionalidade.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Então tá tudo resolvido, bora por pra funcionar? Acho que não. Acredito que mudanças impactantes devem ser feitas com cautela, tão gradualmente quanto possível. Também é importante testá-las em pequena escala, avaliar os resultados, ajustar o que for necessário e ir aumentando a escala na medida que os diversos envolvidos forem ganhando confiança na novidade. Creio que o ideal seria fazer projetos pilotos em algumas cidades em regiões variadas do país, onde a população aprovasse previamente a experiência através de plebiscito. Poderia se testar modelos distintos em cada cidade para se verificar quais características do modelo funcionam melhor na prática. Quado tivermos um modelo estável no nível municipal, vamos pro nível estadual e assim por diante.

Finalmente, acho importante salientar que este post não pretende ter rigor acadêmico ou jurídico. Pretende apenas lançar uma ideia, fomentar o debate sobre um tema que acredito ser relevante para nosso país, para quaisquer sociedade livre e para a própria ideia de democracia.

IMPOSTOS – PAGADORES E CONSUMIDORES

(Leitura: 4 min)

Direita e esquerda, socialista e liberal, conservadores e progressistas. Há muitas maneiras de classificar as pessoas em grupos distintos. Nenhuma é perfeita. Nenhuma é definitiva. Todas elas têm seus usos. Ajudam a compreender cenários e facilitam a comunicação. E todas tem também suas limitações e trazem consigo o risco de acirrar preconceitos. Mas, talvez, nenhuma classificação social seja tão útil para compreender o atual momento político e ideológico no ocidente do que a divisão das pessoas em pagadores e consumidores de impostos.

Quase todo mundo paga algum imposto e também consome algum serviço público. Mas, para efeito dessa classificação, vale o que for preponderante. É pagador de impostos quem coloca dinheiro no cofre do governo mais do que recebe dele. E é consumidor de impostos quem recebe do governo mais do que paga a ele.

São exemplos de pagadores os trabalhadores da iniciativa privada, a maioria dos empresários, os profissionais liberais e os autônomos. São exemplos de consumidores os funcionários públicos, a maioria dos políticos, os empresários que se beneficiam de subvenções, reservas de mercado e outros conchavos com governos, pensionistas, beneficiários de programas sociais, estudantes da rede pública, bolsistas, sindicalistas, funcionários de instituições para-estatais, entre outros que de algum modo vivem de recursos que saem do tesouro público.

E pra que que essa classificação serve? Salvo raras exceções, o fato de ser pagador ou consumir de impostos determina grande parte das opiniões políticas, econômicas, ideológicas e sociais de uma pessoa.

Pagadores de impostos tendem a desconfiar do governo. Sentem, mesmo que intuitivamente, que estão sendo explorados. Tendem a se revoltar com aumentos de impostos, a se aborrecer com burocracias, a preferir passar longe das repartições públicas. Além disso, tendem a gastar muito tempo e energia ganhando a vida, a focarem nos seus interesses pessoais, a ficar longe da política. Costumam pensar mais no futuro, consumir com moderação e fazer mais poupança.

Consumidores de impostos, intencional ou intuitivamente, sabem que suas vidas dependem do cofre estatal. Tendem a apoiar iniciativas que aumentem o poder e a arrecadação do governo. Costumam pensar no governo como uma entidade que deve estar acima da sociedade, regulando tudo. E não costumam pensar muito em de onde vem o dinheiro que recebem. Tendem a gastar mais, poupar pouco e preocupar-se menos com o futuro. Costumam ser mais engajados na política, serem militantes, formarem grupos especializados e pressionarem os políticos para promoverem os seus interesses.

Por isso, se queremos entender como uma pessoa pensa, influencia-lá ou apenas conviver bem com ela, um bom começo é procurar saber se ela é pagadora ou consumidora de impostos. Ambas podem ser úteis ou danosas tanto no plano social quanto individual. Esss classificação não deve ser usada para fomentar preconceitos e sim para nos ajudar a entender melhor o outro. Não devemos nos esquecer que, a despeito de classificaçoes, cada pessoa é um indivíduo único.

PRECISAMOS FALAR SOBRE PREVIDÊNCIA

(Leitura: 15 min)

PREÂMBULO

Escrevi esse artigo durante a última reforma da previdência. Infelizmente, as reformas de previdências estaduais ora em debate me lembram que ele continua atual e necessário. Ainda mais nesses tempos de pandemia.

As diversas reformas da previdência que foram feitas ao longo dos anos têm pontos positivos. Tem pontos problemáticos também. Mas, o mais importante é o que elas não têm. Elas nunca passaram nem perto de abordar os principais absurdos e as principais injustiças de nosso sistema previdenciário. E são esses problemas que tornam nosso sistema previdenciário injusto e ilegítimo, uma verdadeira máquina de transferir dinheiro de trabalhadores sofridos para pessoas privilegiadas. Ademais, o que essas reformas fazem mesmo é jogar para mais adiante as urgências e fazer com que os trabalhadores atuais tenham que trabalhar por ainda mais tempo, se aposentando mais tarde e recebendo menos, para continuarem pagando mais e por mais tempo os privilégios de pessoas que já estão, hoje, recebendo benefícios injustos e imorais.

Sem encarar tais flagrantes absurdos e injustiças, qualquer reforma, mesmo com pontos positivos, acaba sendo ilegítima. E o que seria uma reforma justa e legítima, na minha opinião? Vamos ao esboço dela sem mais delongas.

PROPOSTA

  1. Toda pessoa maior de 21 anos que ainda recebe pensão pela morte de pai ou mãe, terá sua pensão cancelada imediatamente.
  2. O valor máximo de aposentadoria paga pelo INSS passará a ser o teto do Regime Geral de Previdência Social (valor atual 6.101,06). Toda aposentadoria que ultrapassá-lo será reduzida para este valor na data em que a reforma entrar em vigor.
  3. Toda pessoa que tiver se aposentado com idade menor do que a mínima (65 anos seria um bom número, mas, pode ser outro) terá sua aposentadoria revista. Se ainda tiver menos que a idade mínima na data que a reforma entrar em vigor, a aposentadoria será cancelada e a pessoa terá que se aposentar novamente quando completar a idade mínima. Se já tiver mais do que a idade mínima, a aposentadoria será mantida mas o valor será recalculado com base no tempo efetivo de contribuição e nos valores contribuídos.
  4. A partir de agora, todo mundo terá que esperar até atingir a idade mínima para se aposentar. No entanto, uma vez que atinja um tempo mínimo de contribuição (35 anos seria um bom número mas pode ser outro), não precisará mais contribuir.
  5. O valor das aposentadoria passará a ser indexado à arrecadação do INSS. Será criado o índice IN$$. No momento que a reforma entrar em vigor todas as aposentadorias, depois de ajustadas com base nos quatro itens anteriores, serão convertidas em IN$$, com valor inicial igual à menor aposentadoria em vigor no pais. Ou seja, a menor aposentaria será de IN$$ 1,00 e a maior de IN$$ 5,84. Todo mês, o valor do IN$$ será recalculado com base na arrecadação do INSS no mês anterior, subtraindo-se as despesas de custeio do sistema e dividindo-se o total restante em R$ pelo total a ser pago em IN$$ e então se terá o valor do IN$$ para o mês.
  6. Essa reforma valerá para todos os brasileiros, sem exceções.

JUSTIFICATIVA

As vantagens de um sistema assim, considerando o todo da população brasileira, são muitas. Porém, algumas saltam aos olhos:

  • É justo. Todo mundo paga pelas mesmas regras. Todo mundo recebe pelas mesmas regras. Não tem mais essa coisa de um trabalhador passar uma vida inteira ralando para ajudar a pagar a aposentadoria milionária de um político ou burocrata privilegiado que se aposentou cedo e, quando finalmente se aposentar na velhice, receber muitas vezes menos do que os super-aposentados que carregou nas costas por décadas.
  • Não tem déficit. O sistema paga com base no que foi arrecadado. Desequilíbrio atuarial zero.
  • É simples, objetivo e transparente. Qualquer um entende o que tá pagando e de que forma vai receber. Pode ser facilmente monitorado por toda a população brasileira. Não será mais preciso especialistas (que nunca concordam entre si) para nos dizer se há ou não déficit.

Acho importante ainda salientar que esse texto se trata de um esboço do que deveria ser os pontos centrais de uma verdadeira reforma da previdência. Não há a pretensão de ser preciso em termos técnicos ou jurídicos. O foco é na essência do que deve ser reformado na busca de justiça, equilíbrio e eficácia.

PERGUNTAS E RESPOSTAS

Imagino que quem leu até aqui esteja pensando em uma série de questões e considerações sobre a proposta. Vou já antecipar algumas que me ocorrem e buscar comentá-las.

Mas as mudanças que você propõe não são inconstitucionais? E o direito adquirido, como fica?

Muito pelo contrário. A reforma que proponho visa exatamente implementar os princípios definidos na nossa constituição. Vejamos o que diz a CF/88:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana;

Agora, me digam, uma pessoa que trabalha desde a adolescência até os 65 anos de idade (talvez mais, já que cada arremeto de reforma que aprovam aumenta mais esse limite) para poder se aposentar com um salário mínimo e, durante todo esse tempo, contribui para bancar a aposentadoria de gente que recebe 20 mil reais, 30 mil, as vezes mais de 50 mil reais por mês tendo se aposentado muito mais cedo, as vezes com apenas 8 anos de mandato em cargo eletivo, as vezes sem nunca ter trabalhado na vida, alguém realmente acha que essa pessoa está tendo sua dignidade humana respeitada? Eu acho que não. Precisamos reformar, de verdade, esse sistema exatamente para promover a dignidade dos trabalhadores brasileiros que a CF/88 consagrou como princípio já em seu primeiro artigo.

Mas, não para por aí, outros princípios básicos da constituição andam sendo flagrantemente violados e necessitam serem implementados. Vejamos o título dos direitos e garantias fundamentais:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”

Ora, todos são iguais perante a lei. Então, por quê alguns brasileiros deveriam ter o direito a um sistema de previdência próprio, bancado pelo trabalho dos demais brasileiros? Será que o fato de a pessoa passar em um concurso ou vencer uma eleição dá a ela o direito de ser tratada por um conjunto distinto de leis? Dá a ela o direito de ser uma exceção ao Art. 5o da constituição? Pior, será que ser filho ou filha de alguém que um dia passou num determinado concurso dá à pessoa esse direito? Acho que não. O fato de algumas pessoas estarem recebendo poupudas rendas mensais as custas dos demais trabalhadores brasileiros é uma violação direta e imediata à CF/88 que precisa ser imediatamente corrigida se quisermos de fato ser um verdadeiro estado de direito.

Mas, alguém sempre pode lembrar que o Art. 5o que acabei de citar também tem esse inciso:

“XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;”

Será que este inciso pode contrariar o caput do artigo e permitir que a lei dê privilégios especiais para algumas pessoas? Ou, ainda, pode esse inciso contrariar o Art. 1o e permitir que a lei viole a dignidade dos trabalhadores brasileiros em nome de um suposto direito adquirido, em nome de uma injustiça que foi colocada na lei em algum momento do passado e que condena todo brasileiro que nasce hoje numa família de classe baixa a passar a vida toda pagando uma pensão nababesca para alguém que está vivendo a bem mais tempo que ele, pouco ou nada trabalhou e, por força de alguma injustiça, mesmo que escrita na lei, ganhou uma pensão mensal absurda sem ninguém dizer de onde sairia o dinheiro, apenas assumindo que os trabalhadores do futuro seriam obrigados a pagar essa conta? Eu acho que não. Isso não é direito adquirido, é escravidão. Ninguém pode ser condenado a passar a vida pagando os privilégios de outros, a passar a vida bancando a outros privilégios que a própria pessoa nunca terá. A escravidão foi abolida 1888, será que esquecemos isso? Aliás, já que estamos falando de impor esse absurdo a pessoas que nem sequer nasceram, devemos lembrar que pra esses a escravidão foi abolida ainda antes, 1871, pela Lei do Ventre Livre.

Você não vai propor nenhuma mudança nas idades mínimas ou nos tempos mínimos de contribuição?

Essas questões são importantes, mas, ficam em segundo plano. Uma vez que estejam implementados os items acima e eliminado tanto o déficit quanto as injustiças, as questões de idade mínima e tempo mínimo de contribuição, bem como outros pontos relevantes, tais como aposentadoria rural e benefício de prestação continuada, poderão ser rediscutidos não em função de caber ou não no orçamento, mas, em função de serem ou não justos e em função de seus impactos no equilíbrio entre os diversos membros do sistema.

E as alíquotas para contribuição para a previdência, como que fica?

Assim como as idades mínimas e tempos mínimos de contribuição, podem ser ajustadas posteriormente, com calma. Só não podem subir, pra ninguém, em hipótese alguma. O estado já nos toma dinheiro demais.

E a capitalização? Sua proposta não inclui a capitalização?

Capitalização é ótimo. A todo mundo que quiser complementar sua aposentadoria eu sugiro procurar uma instituição de previdência privada e começar um plano de investimento. Porém, o mercado privado pode perfeitamente dar conta disso. Ao Estado, cabe apenas zelar pelo cumprimento dos contratos, disponibilizando um sistema de justiça eficiente e acessível. Gerir planos de aposentadoria por capitalização não é tarefa para o Estado. Nossa história nos ensina muito bem no que dá colocar uma montanha de dinheiro na mão do Estado e esperar que os agendes dele façam bons investimentos de longo prazo com a grana.

Você mesmo poderá se aposentar antes dos 65 anos de acordo com as regras atuais. Vai abrir mão disso?

Se uma reforma semelhante à que proponho para o bem da sociedade brasileira for aprovada eu espero minha vez até os 65 de bom grado. Porém, se as regras atuais ou semelhantes forem mantidas, eu quero o meu benefício o mais rápido possível. Me considero uma pessoa justa, porém, não me considero um trouxa.

Os deputados e senadores que devem aprovar tal proposta são eles próprios membros proeminentes do grupo que tem super aposentarias ou estão prestes a obtê-las. Faz sentido imaginar que eles votem uma mudança que irá tirar-lhes esse direito?

Ora, se eles desejam impor regras novas aos trabalhadores que pagam a conta, eles devem ser os primeiros a aceitar essas regras. É uma questão de exemplo, de justiça, de coerência, e sobretudo, de legitimidade. Claro que é difícil promover mudanças que contrariem interesses exatamente de quem é autoridade em um ambiente democrático. Não sou ingênuo a ponto de achar que é fácil. Mas, não devemos aceitar menos. E é importante lembrar que somos nós trabalhadores que pagamos essa conta. Fingir que o problema não existe não vai resolvê-lo. Conformar-se também não. Expor a verdade é um primeiro passo.

Mas, pensa numa pessoa velhinha que já está acostumada a viver com uma renda mensal de, digamos, 12 mil reais por pês. Você quer agora chegar e obrigá-la a viver com pouco mais de 6 mil reais por mês?

Se essa pessoa passou a vida toda ganhando um alto salário, seja como funcionário público ou aposentado, ela poderia perfeitamente ter formado um patrimônio que lhe permita tranquilidade na velhice. Se não o fez, merece ter uma velhice mais frugal. De todo modo, ninguém tá falando em deixar essa pessoa na miséria, ela continuará aposentada, só que recebendo um valor semelhante aos demais brasileiros.

Mas, o funcionário público que recebe uma super-aposentadoria é porque contribuiu para o seu regime próprio de previdência com valores acima das contribuições que os trabalhadores do regime geral contribuem.

Não, não contribuiu. É importante lembrar que não estamos falando de técnicos municipais que ganhem dois ou três salários mínimos. Essas pessoas não serão afetadas a não ser, talvez, pela idade mínima. Estamos falando de políticos e funcionários públicos do judiciário, do legislativo e de cargos específicos do executivo que ganham dezenas de milhares de reais por mês, valores muito acima de cargos semelhantes na iniciativa privada. Essas pessoas contribuem para seus regimes próprios de previdência formalmente falando, mas, na prática, isso é apenas um malabarismo contábil. O dinheiro que elas recebem todos os meses saiu do cofre do estado, então, o que apareceu no contracheque delas como contribuição previdenciária foram apenas valores que deixaram de sair dos cofres públicos, ou seja, apenas se diminuiu um pouco a transferência de dinheiro dos pagadores de impostos para esses privilegiados.

CENSURA E PROPRIEDADE

(Leitura: 5 min)

Tema sugerido pela amiga Carla RA. Obrigado, Carla.

Era uma vez um espaço de produção e compartilhamento de conhecimento, acessível ao mundo todo, livre de qualquer censura e preconceito. Esse foi o sonho de muitos românticos que viveram os primeiros passos da Internet.

Mas, não tardou ficar claro que a verdade passa longe disso. Na medida que a Internet se popularizou, vimos que boa parte do público está mais interessada em fofoca de celebridades ou vídeos de gatinhos do que em conhecimento útil. E quem quer trocar ideias geralmente prefere se organizar em bolhas com os que pensam igual a si para louvar as próprias teses e xingar quem pensa diferente.

Daí, surgiram as redes sociais e seus algoritmos baseados em likes e reforçaram o sentimento e o comportamento tribal. Esse é o pano de fundo do cenário atual onde vemos cada grupo buscando formas de limitar a voz e a visibilidade dos grupos rivais.

Essa caça à liberdade de expressão alheia se dá em duas frentes. Uma delas é a censura estatal, seja através de projetos de lei nos parlamentos, de decretos dos executivos ou de sentenças e mandados emanados do judiciário. Busca-se, através da força do estado, impedir que opositores digam o que pensam, evitar que autoridades sejam criticadas, criminalizar opiniões, punir o pensamento discordante. Essa frente da censura estatal é execrável e deve ser repudiada e combatida por qualquer pessoa que preze por liberdade.

Mas há uma segunda frente de contenção da expressão alheia. Empresas que lidam com informação selecionam a quem darão voz, quais ideias terão espaço, qual o alcance cada manifestação terá. Redes como Facebook, Twitter, Instagram e outras tem suas políticas, selecionam o que vão repercutir e mesmo quem pode ser usuário. Jornais, revistas e portais selecionam seus jornalistas e colunistas e os submetem a políticas editoriais. Essas seleções não são isentas, envolvem critérios econômicos, políticos e ideológicos, entre outros. E isso é legítimo. A autonomia de cada empresa ao administrar sua propriedade privada também deve ser respeitada por quem gosta de liberdade.

Claro que a censura privada também impacta a sociedade, também priva as pessoas de alguns conteúdos e exagera a importância de outros, também distorce verdades, também promove mentiras. Devemos deixar isso quieto em nome da liberdade? Não. Mas, desafios privados à liberdade devem ser enfrentados de maneiras distintas.

Primeiro, quem se sente diretamente prejudicado tem a opção de buscar na justiça indenizações civis e condenações criminais.

Segundo, o bom do ambiente privado é que há espaço pra concorrência. Nem toda rede social é igual, nem todo jornal tem a mesma linha editorial. Cada um faz um recorte distinto, cada um é seletivo de um jeito diferente. Além disso, por maior que seja um império, ele nunca está a salvo das invasões bárbaras. Todo dia tem uma nova rede social sendo lançada, algum empreendedor tentando emplacar a próxima grande rede. Todo dia tem alguém trocando um grande jornal por um blog, um canal de vídeo, um jeito qualquer de propagar um ponto de vista barrado por um grande editor.

Cabe a quem vê a liberdade como uma causa válida ser cético, buscar fontes variadas de informação, duvidar tanto daqueles com quem sempre concorda quanto daqueles de quem sempre discorda. A verdade raramente está toda nos extremos. Vale também ficar de olho nos novos empreendimentos, sejam redes, sites, blogs, revistas, ou algo no qual ninguém tinha pensado antes. É bom ver quais parecerem mais promissores, incentivar com consumo, divulgacao e participação. E, quem sabe, seja hora de ter sua própria iniciativa, de criar novos canais de comunicação e compartilhamento de informações. Mais importante do que achar a solução perfeita é achar uma que funcione e ajudar a aperfeiçoá-la.

REFORMA TRIBUTÁRIA

Vejo de volta ao noticiário o tema da CPMF. De novo. Dessa vez turbinada por declaração do Ministro Paulo Guedes e do Vice-Presidente Mourão. Lamentável. Aproveito pra deixar claro minha posição sobre reforma tributária.

O que eu apoio:

  • Extinção de imposto;
  • Redução de alíquota;
  • Alongamento de prazo de pagamento;
  • Simplificação da burocracia de arrecadação.

O que eu sou contra:

  • Criação de novo imposto;
  • Troca de um imposto por outro;
  • Aumento de alíquota;
  • Diminuição de prazo de pagamento;
  • Aumento de burocracia.

Mas, Geraldo, nossa carga tributária é mal distribuída, é injusta, é regressiva, blá, blá, blá, tem que reformular, fazer uma ampla reforma, desonerar isso, cobrar mais daquilo, blá, blá, blá… Não. Quem vem com essa conversa é ingênuo ou tá defendendo algum interesse. Toda vez que se faz alguma reorganização dos impostos a carga total acaba sempre aumentando. Não caio nessa.

Ah, mas, tem que cobrar mais dos mais ricos e das grandes empresas… Acorda. Grandes empresas não pagam impostos. Ricos não pagam impostos. Nunca. Em nenhum sistema. Só coletam e entregam pro governo. Isso quando não recolhem e sonegam. Quem está no topo da pirâmide social ganha dinheiro fornecendo produtos e serviços pra quem tá abaixo. Os impostos vão sendo repassados. Quem paga realmente é só quem tá na base, quem trabalha, recebe salário e gasta comprando coisas pra si e pra sua família. Em qualquer sistema.

Ah, mas, os países desenvolvidos tem carga tributária até maior do que a nossa; O importante é como o dinheiro é usado; Tem é que combater a corrupção; Mas a Suécia, o Canadá, a Terra-do-Nunca… Como os outros países se organizam é assunto deles. Respeito, observo, procuro aprender com eles quando aplicável. Mas, somos brasileiros, vivemos no Brasil, temos de considerar nossas circunstâncias e ver o que funciona aqui. A verdade é que aqui sempre tivemos governos que arrecadam cada vez mais e entregam cada vez menos, independente da ideologia ou do partido. Salvo raras tentativas de brincar de austeridade, sempre tivemos governos que gastam mais do que arrecadam e quando a conta não fecha, dão um jeito de jogar a fatura pros trabalhadores na forma de mais impostos, mais dívida ou mais inflação.

Não podemos mais tolerar aumento de impostos, sob nenhuma desculpa nem sob nenhum artifício. Se você trabalha pra ganhar a vida e defende ou aceita aumento de imposto, melhor seria ir até algum beco suspeito e entregar sua carteira pra um assaltante.

MAIORIAS SILENCIOSAS E MINORIAS BARULHENTAS

Você faz um post numa rede social. 30 pessoas curtem. 10 comentam. Das 10 que comentam, oito criticam. Três fazem mais de um comentário criticando. Duas fazem comentários ofensivos. Você responde aos comentários críticos defendendo seus pontos de vistas. Quem comentou responde. A conversa rende vários comentários. Depois de tempo e energia gastos defendendo seu ponto de vista perante gente que, não só defende veementemente pontos de vista diferentes, mas, são as vezes agressivas e intolerantes, você pensa: Deixa quieto. Vou parar de me manifestar, cuidar da minha vida, ficar no meu canto. Certo? Pense de novo. 30 pessoas apreciaram sua expressão. Oito se incomodaram. Formou-se uma maioria silenciosa e uma minoria barulhenta. É disso que se trata esse post. Muitas vezes damos muita atenção a minorias barulhentas enquanto maiorias silenciosas passam desapercebidas. E assim acabamos sendo guiados por minorias em rumos que vão contra o interesse e o bem estar de quase todo mundo.

Isso não acontece apenas nas redes sociais. Acontece em várias situações públicas e privadas. Quantas vezes não sacrificamos os interesses de um grupo inteiro por causa de uma pessoa que dá chilique?

Outro efeito importante desse fenômeno acontece na política. A opinião da maioria silenciosa é ouvida apenas uma vez a cada quatro anos, quando vamos às urnas. Já as minorias barulhentas interferem nos rumos da gestão pública continuadamente.

Precisamos pensar sobre isso. Precisamos prestar mais atenção nas maiorias silenciosas. Provocá-las a se manifestarem, respeitando seu tempo limitado, afinal, elas tem muito que fazer, mas, sem deixar que passem desapercebidas. Antes de desistir de uma ideia, valor ou projeto que lhe é importante devido ao julgamento de outros, antes de achar que o mundo tá cheio de gente ruim ou chata, antes de calar uma mensagem que poderia inspirar a outros, verifique se você tá se deixando levar pelas minorias barulhentas ou se tá prestando a devida atenção na maioria silenciosa.