VACINA II

Dado a persistência da polêmica, volto ao tema das vacinas pra covid. O presidente agiu mal em sua fala, desenorajou a vacinação? Talvez. Mas, não vejo como culpá-lo por defender a liberdade individual. Trata-se de item fundamental dos direitos civis. Primeira dimensão dos direitos humanos. Ademais, Bolsonaro é o que é do jeito que é. Não vai mudar.

Eu quero me dirigir é aos representantes públicos da ciência médica, aos especialistas que, supostamente, privilegiam o conhecimento à teimosia, estão abertos ao dialago, menos apegados a questões políticas e mais propensos a reverem suas posições diante de argumentos.

A questão em torno de a vacina ser ou não obrigatória é de pouca relevância. A grande maioria das pessoas vão querer se vacinar, querem viver, querem cuidar da saúde dos filhos. Se for feita uma campanha mostrando os benefícios e mitigando os riscos, com transparência e objetividade, as pessoas vão aderir, como aderem a outras campanhas de vacinação.

Mesmo a dicotomia entre vacina chinesa/russa versus vacina ocidental pode ser facilmente resolvida. Muita gente já deixou claro que não se importa com de onde a vacina vem. Então esses tomam as vacinas chinesas e russas que comseguirmos obter e as ocidentais ficam pro resto. Assim fica todo mundo feliz.

Já quando insistem em confrontar Bolsonaro ou defender obrigatoriedade ao invés de defender os argumentos favoráveis à vacina, demonstram viés político e ideológico e aumentam as desconfianças de uma parte considerável da população.

Os que preferem ter razão do que conseguir resultados que continuem polemizando.

VIGIAR E PUNIR (Resenha)

(Tempo de leitura: 5 min)

Nesta obra, Foucault é o historiador em essência. Ele analisa o desenvolvimento do trinômio poder, pena e disciplina desde a Idade Média até o Século XX. Destaca como a punição ao crime evolui do castigo físico, aplicado em público em nome do Rei, passando pela propostas de reforma que buscavam variar a pena conforme o bem ofendido pelo crime até chegar ao uso quase universal da prisão como pena no Estado Moderno. Mostra também como a arte da disciplina evoluiu neste período, passando a abarcar diversos processos de controle coletivo, não só nas prisões, mas também nos hospitais, nas escolas, nas fábricas e outras instituições que nasceram da revolução industrial. Por fim, demostra como a pena e a disciplina estão relacionadas aos mecanismos de poder, como se encaixam num arranjo social mais geral que passa a predominar nas sociedades modernas. Em sua performance descritiva e analítica, o autor é brilhante.

No entanto, ao exercer brilhantemente seu papel de historiador, ele não escapa de um problema comum nas análises históricas. Ele conta a história do trinômio poder, pena, e disciplina através de uma narrativa que busca transformar uma coletânea de acontecimentos que vão se sucedendo e se cruzando em uma cadeia de eventos planejados, coordenados e dirigidos a uma finalidade. Ele transforma um “processo evolutivo” em um “design inteligente”. Esse é um desafio que o pessoal da história terá que encarar algum dia. Achar um jeito de ser empolgante sem ser romântico. Encontrar um equilíbrio entre encanto e objetividade.

Um ponto marcante do livro é a apresentação do conceito de panóptico, um prédio construído para ser o paraíso da disciplina, um conjunto de torres e células onde indivíduos são levados viver e produzir sob constante vigilância, enquanto os vigias também são vigiados numa espiral de disciplina, onde o vigiar e ser vigiado se torna o próprio motor que movimenta a existência. Avançando um pouco no tempo, vemos que o panóptico, como construção material, se torna obsoleto com o desenvolvimento da tecnologia. As mesmas funções podem ser obtidas com mais acuidade e maior escala através de câmeras e telas, e levadas a um nível ainda mais automático e sutil através da inteligência artificial e da ciência de dados.

Por fim, fica da obra a impressão que o autor não economiza na crítica ao mundo em que vive e aos processos que lhe deram origem, porém, não consegue esboçar qualquer proposta, qualquer caminho alternativo para longe das tensões ou angústias que o incomodam. Parece se ressentir com a evolução que permitiu a Europa multiplicar sua população, sua expectativa de vida e os confortos materiais de seus habitantes, mas, ao mesmo tempo falha em propor transformações positivas. Demonstra uma visão amarga do presente e uma perspectiva sombria do futuro. A gente quase concluí que ele prefere os suplícios da era feudal às disciplinas do mundo moderno, que deseja trocar a abundância industrial pela escassez do estado de natureza. A leitura é saborosa, mas, deixa um retrogosto de apologia ao passado.

VACINA

É possível ser favorável à vacinação em massa, ser um entusiasta das vacinas e, ao mesmo tempo, ser contra a vacinação obrigatória, ser contra o uso da força para coagir pessoas a fazer algo em relação ao qual elas não estão se sentindo seguras.

É possível estar ansioso para ver prontas pra uso vacinas desenvolvidas e produzidas com rigor científico em países democráticos e, ao mesmo tempo, ser cauteloso em relação à vacinas feitas às pressas e sem transparência por governos de ditaduras sinistras.

Já transformamos uma pandemia numa briga político ideológica em que a razão tem sido a maior perdedora. Seria bom não transformarmos a vacina nisso também.

Respeito à liberdade alheia, responsabilidade no trato com a vida das pessoas e relações humanas baseadas no consentimento são sempre bem vindas, especialmente de quem tem cargos de liderança e gestão pública.

O PRESIDENTE DA SUÍÇA

Você sabe quem é o presidente da Suíça? Provavelmente não. Pode citar pelo menos um presidente suíço famoso em algum momento da história? Poucos poderão. Mas, você já ouviu falar dos chocolates suíços, dos queijos suíços, dos relógios suíços, dos bancos suíços. A Suíça não é um país irrelevante no cenário internacional. Por que, então, seus presidentes não são celebridades?

É porque o que importa é a Suíça, o povo suíço, o desenvolvimento da Suíça, o bem estar do povo suíço e não a fama ou a mitificação de seus líderes.

No dia que o Brasil e os brasileiros forem mais relevantes que Bolsonaros, Lulas, Juscelinos, Getúlios ou Pedros, estaremos mais perto de sermos uma sociedade civilizada.

“MINHA VONTADE É ENCHER SUA BOCA DE PORRADA”

Vejo a mídia e as redes sociais fervendo com a fala do presidente a alguém que o abordou durante uma caminhada. Vídeos circulam aqui e acolá. Uma pergunta sobre cheques é repetida em uníssono. Afirmações contrárias à existência da tal pergunta são declaradas fake news por agências de fact checking. Fico com vontade de dar meus pitacos. Seguem.

1. A frase é agressiva, mostra desequilíbrio emocional, é inapropriada para um presidente da república dizer em público, independente de quais sejam os motivos que o levaram a dizê-la.

2. Nos vídeos que circulam, só se ouve a frase do presidente. Não consegui achar nenhum em que se possa ouvir a pergunta ou comentário que o levou a reagir assim.

3. Assumir que o que provocou a reação dele foi uma pergunta sobre cheques depositados na conta da esposa, só porque alguém disse que é, é leviano e tendencioso.

4. Se a cena foi filmada a frase que provocou a reação também deveria estar audível. A ausência da frase é suspeita.

5. As tentativas de partidários do presidente de colar outra frase no lugar, alegando que a resposta foi sobre uma provocação maldosa sobre a esposa ou a filha, sem apresentar prova, também são levianas e tendenciosas.

6. Deveríamos ser menos crédulos sobre o que dizem políticos, jornalistas e influenciadores. Em tempos de celular e internet, não é difícil checar se há evidências do que foi dito.

7. Se corrermos a acreditar no foi dito só porque vem de encontro as nossas impressões prévias sobre os personagens envolvidos, vamos ser enganados sempre.

PRECISAMOS FALAR SOBRE PREVIDÊNCIA

(Leitura: 15 min)

PREÂMBULO

Escrevi esse artigo durante a última reforma da previdência. Infelizmente, as reformas de previdências estaduais ora em debate me lembram que ele continua atual e necessário. Ainda mais nesses tempos de pandemia.

As diversas reformas da previdência que foram feitas ao longo dos anos têm pontos positivos. Tem pontos problemáticos também. Mas, o mais importante é o que elas não têm. Elas nunca passaram nem perto de abordar os principais absurdos e as principais injustiças de nosso sistema previdenciário. E são esses problemas que tornam nosso sistema previdenciário injusto e ilegítimo, uma verdadeira máquina de transferir dinheiro de trabalhadores sofridos para pessoas privilegiadas. Ademais, o que essas reformas fazem mesmo é jogar para mais adiante as urgências e fazer com que os trabalhadores atuais tenham que trabalhar por ainda mais tempo, se aposentando mais tarde e recebendo menos, para continuarem pagando mais e por mais tempo os privilégios de pessoas que já estão, hoje, recebendo benefícios injustos e imorais.

Sem encarar tais flagrantes absurdos e injustiças, qualquer reforma, mesmo com pontos positivos, acaba sendo ilegítima. E o que seria uma reforma justa e legítima, na minha opinião? Vamos ao esboço dela sem mais delongas.

PROPOSTA

  1. Toda pessoa maior de 21 anos que ainda recebe pensão pela morte de pai ou mãe, terá sua pensão cancelada imediatamente.
  2. O valor máximo de aposentadoria paga pelo INSS passará a ser o teto do Regime Geral de Previdência Social (valor atual 6.101,06). Toda aposentadoria que ultrapassá-lo será reduzida para este valor na data em que a reforma entrar em vigor.
  3. Toda pessoa que tiver se aposentado com idade menor do que a mínima (65 anos seria um bom número, mas, pode ser outro) terá sua aposentadoria revista. Se ainda tiver menos que a idade mínima na data que a reforma entrar em vigor, a aposentadoria será cancelada e a pessoa terá que se aposentar novamente quando completar a idade mínima. Se já tiver mais do que a idade mínima, a aposentadoria será mantida mas o valor será recalculado com base no tempo efetivo de contribuição e nos valores contribuídos.
  4. A partir de agora, todo mundo terá que esperar até atingir a idade mínima para se aposentar. No entanto, uma vez que atinja um tempo mínimo de contribuição (35 anos seria um bom número mas pode ser outro), não precisará mais contribuir.
  5. O valor das aposentadoria passará a ser indexado à arrecadação do INSS. Será criado o índice IN$$. No momento que a reforma entrar em vigor todas as aposentadorias, depois de ajustadas com base nos quatro itens anteriores, serão convertidas em IN$$, com valor inicial igual à menor aposentadoria em vigor no pais. Ou seja, a menor aposentaria será de IN$$ 1,00 e a maior de IN$$ 5,84. Todo mês, o valor do IN$$ será recalculado com base na arrecadação do INSS no mês anterior, subtraindo-se as despesas de custeio do sistema e dividindo-se o total restante em R$ pelo total a ser pago em IN$$ e então se terá o valor do IN$$ para o mês.
  6. Essa reforma valerá para todos os brasileiros, sem exceções.

JUSTIFICATIVA

As vantagens de um sistema assim, considerando o todo da população brasileira, são muitas. Porém, algumas saltam aos olhos:

  • É justo. Todo mundo paga pelas mesmas regras. Todo mundo recebe pelas mesmas regras. Não tem mais essa coisa de um trabalhador passar uma vida inteira ralando para ajudar a pagar a aposentadoria milionária de um político ou burocrata privilegiado que se aposentou cedo e, quando finalmente se aposentar na velhice, receber muitas vezes menos do que os super-aposentados que carregou nas costas por décadas.
  • Não tem déficit. O sistema paga com base no que foi arrecadado. Desequilíbrio atuarial zero.
  • É simples, objetivo e transparente. Qualquer um entende o que tá pagando e de que forma vai receber. Pode ser facilmente monitorado por toda a população brasileira. Não será mais preciso especialistas (que nunca concordam entre si) para nos dizer se há ou não déficit.

Acho importante ainda salientar que esse texto se trata de um esboço do que deveria ser os pontos centrais de uma verdadeira reforma da previdência. Não há a pretensão de ser preciso em termos técnicos ou jurídicos. O foco é na essência do que deve ser reformado na busca de justiça, equilíbrio e eficácia.

PERGUNTAS E RESPOSTAS

Imagino que quem leu até aqui esteja pensando em uma série de questões e considerações sobre a proposta. Vou já antecipar algumas que me ocorrem e buscar comentá-las.

Mas as mudanças que você propõe não são inconstitucionais? E o direito adquirido, como fica?

Muito pelo contrário. A reforma que proponho visa exatamente implementar os princípios definidos na nossa constituição. Vejamos o que diz a CF/88:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana;

Agora, me digam, uma pessoa que trabalha desde a adolescência até os 65 anos de idade (talvez mais, já que cada arremeto de reforma que aprovam aumenta mais esse limite) para poder se aposentar com um salário mínimo e, durante todo esse tempo, contribui para bancar a aposentadoria de gente que recebe 20 mil reais, 30 mil, as vezes mais de 50 mil reais por mês tendo se aposentado muito mais cedo, as vezes com apenas 8 anos de mandato em cargo eletivo, as vezes sem nunca ter trabalhado na vida, alguém realmente acha que essa pessoa está tendo sua dignidade humana respeitada? Eu acho que não. Precisamos reformar, de verdade, esse sistema exatamente para promover a dignidade dos trabalhadores brasileiros que a CF/88 consagrou como princípio já em seu primeiro artigo.

Mas, não para por aí, outros princípios básicos da constituição andam sendo flagrantemente violados e necessitam serem implementados. Vejamos o título dos direitos e garantias fundamentais:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”

Ora, todos são iguais perante a lei. Então, por quê alguns brasileiros deveriam ter o direito a um sistema de previdência próprio, bancado pelo trabalho dos demais brasileiros? Será que o fato de a pessoa passar em um concurso ou vencer uma eleição dá a ela o direito de ser tratada por um conjunto distinto de leis? Dá a ela o direito de ser uma exceção ao Art. 5o da constituição? Pior, será que ser filho ou filha de alguém que um dia passou num determinado concurso dá à pessoa esse direito? Acho que não. O fato de algumas pessoas estarem recebendo poupudas rendas mensais as custas dos demais trabalhadores brasileiros é uma violação direta e imediata à CF/88 que precisa ser imediatamente corrigida se quisermos de fato ser um verdadeiro estado de direito.

Mas, alguém sempre pode lembrar que o Art. 5o que acabei de citar também tem esse inciso:

“XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;”

Será que este inciso pode contrariar o caput do artigo e permitir que a lei dê privilégios especiais para algumas pessoas? Ou, ainda, pode esse inciso contrariar o Art. 1o e permitir que a lei viole a dignidade dos trabalhadores brasileiros em nome de um suposto direito adquirido, em nome de uma injustiça que foi colocada na lei em algum momento do passado e que condena todo brasileiro que nasce hoje numa família de classe baixa a passar a vida toda pagando uma pensão nababesca para alguém que está vivendo a bem mais tempo que ele, pouco ou nada trabalhou e, por força de alguma injustiça, mesmo que escrita na lei, ganhou uma pensão mensal absurda sem ninguém dizer de onde sairia o dinheiro, apenas assumindo que os trabalhadores do futuro seriam obrigados a pagar essa conta? Eu acho que não. Isso não é direito adquirido, é escravidão. Ninguém pode ser condenado a passar a vida pagando os privilégios de outros, a passar a vida bancando a outros privilégios que a própria pessoa nunca terá. A escravidão foi abolida 1888, será que esquecemos isso? Aliás, já que estamos falando de impor esse absurdo a pessoas que nem sequer nasceram, devemos lembrar que pra esses a escravidão foi abolida ainda antes, 1871, pela Lei do Ventre Livre.

Você não vai propor nenhuma mudança nas idades mínimas ou nos tempos mínimos de contribuição?

Essas questões são importantes, mas, ficam em segundo plano. Uma vez que estejam implementados os items acima e eliminado tanto o déficit quanto as injustiças, as questões de idade mínima e tempo mínimo de contribuição, bem como outros pontos relevantes, tais como aposentadoria rural e benefício de prestação continuada, poderão ser rediscutidos não em função de caber ou não no orçamento, mas, em função de serem ou não justos e em função de seus impactos no equilíbrio entre os diversos membros do sistema.

E as alíquotas para contribuição para a previdência, como que fica?

Assim como as idades mínimas e tempos mínimos de contribuição, podem ser ajustadas posteriormente, com calma. Só não podem subir, pra ninguém, em hipótese alguma. O estado já nos toma dinheiro demais.

E a capitalização? Sua proposta não inclui a capitalização?

Capitalização é ótimo. A todo mundo que quiser complementar sua aposentadoria eu sugiro procurar uma instituição de previdência privada e começar um plano de investimento. Porém, o mercado privado pode perfeitamente dar conta disso. Ao Estado, cabe apenas zelar pelo cumprimento dos contratos, disponibilizando um sistema de justiça eficiente e acessível. Gerir planos de aposentadoria por capitalização não é tarefa para o Estado. Nossa história nos ensina muito bem no que dá colocar uma montanha de dinheiro na mão do Estado e esperar que os agendes dele façam bons investimentos de longo prazo com a grana.

Você mesmo poderá se aposentar antes dos 65 anos de acordo com as regras atuais. Vai abrir mão disso?

Se uma reforma semelhante à que proponho para o bem da sociedade brasileira for aprovada eu espero minha vez até os 65 de bom grado. Porém, se as regras atuais ou semelhantes forem mantidas, eu quero o meu benefício o mais rápido possível. Me considero uma pessoa justa, porém, não me considero um trouxa.

Os deputados e senadores que devem aprovar tal proposta são eles próprios membros proeminentes do grupo que tem super aposentarias ou estão prestes a obtê-las. Faz sentido imaginar que eles votem uma mudança que irá tirar-lhes esse direito?

Ora, se eles desejam impor regras novas aos trabalhadores que pagam a conta, eles devem ser os primeiros a aceitar essas regras. É uma questão de exemplo, de justiça, de coerência, e sobretudo, de legitimidade. Claro que é difícil promover mudanças que contrariem interesses exatamente de quem é autoridade em um ambiente democrático. Não sou ingênuo a ponto de achar que é fácil. Mas, não devemos aceitar menos. E é importante lembrar que somos nós trabalhadores que pagamos essa conta. Fingir que o problema não existe não vai resolvê-lo. Conformar-se também não. Expor a verdade é um primeiro passo.

Mas, pensa numa pessoa velhinha que já está acostumada a viver com uma renda mensal de, digamos, 12 mil reais por pês. Você quer agora chegar e obrigá-la a viver com pouco mais de 6 mil reais por mês?

Se essa pessoa passou a vida toda ganhando um alto salário, seja como funcionário público ou aposentado, ela poderia perfeitamente ter formado um patrimônio que lhe permita tranquilidade na velhice. Se não o fez, merece ter uma velhice mais frugal. De todo modo, ninguém tá falando em deixar essa pessoa na miséria, ela continuará aposentada, só que recebendo um valor semelhante aos demais brasileiros.

Mas, o funcionário público que recebe uma super-aposentadoria é porque contribuiu para o seu regime próprio de previdência com valores acima das contribuições que os trabalhadores do regime geral contribuem.

Não, não contribuiu. É importante lembrar que não estamos falando de técnicos municipais que ganhem dois ou três salários mínimos. Essas pessoas não serão afetadas a não ser, talvez, pela idade mínima. Estamos falando de políticos e funcionários públicos do judiciário, do legislativo e de cargos específicos do executivo que ganham dezenas de milhares de reais por mês, valores muito acima de cargos semelhantes na iniciativa privada. Essas pessoas contribuem para seus regimes próprios de previdência formalmente falando, mas, na prática, isso é apenas um malabarismo contábil. O dinheiro que elas recebem todos os meses saiu do cofre do estado, então, o que apareceu no contracheque delas como contribuição previdenciária foram apenas valores que deixaram de sair dos cofres públicos, ou seja, apenas se diminuiu um pouco a transferência de dinheiro dos pagadores de impostos para esses privilegiados.

A SOCIEDADE CALA, A ESCOLA FALA

Trabalhei por quase 15 anos em duas escolas simultaneamente, de manhã a pública e a tarde a privada. Na pública conheci o Léo e na privada o Vítor. Léo era o mais velho de quatro irmãos, pai preso, mãe diarista. Quando o conheci tinha 8 anos de idade. Vitor era o mais velho de 2 irmãos, também com 8 anos. Pai e mãe dentistas, consultório em bairro chique. Léo morava em barraco pequeno, de dois cômodos e quase sempre só comia na escola. Vitor morava em condomínio de Luxo, ia pra escola depois de tomar café e almoçar. Ao chegar em casa jantava e tomava leite antes de dormir. Léo, com dez anos cuidava da casa e quando tinha comida, cozinhava, pois a mãe trabalhava o dia todo fora. Vitor, até a última vez que o vi, já adolescente, não sabia lavar uma louça. Léo fazia a lição sozinho e ainda ajudava os irmãos menores. Vitor sempre contou com a ajuda da tecnologia e dos pais. Aos finais de semana Leo brincava com os irmãos na rua e cuidava da casa. Aos finais de semana Vitor frequentava buffets, shoppings, restaurantes. Léo nunca fez um curso extra, pois precisava ficar em casa para mãe trabalhar. Vitor sempre fez inglês, francês, natação e guitarra. Com 13 anos Leo precisou trabalhar na vendinha do bairro para ajudar em casa. Vitor ganhava uma mesada de R$ 200,00. A mãe de Léo se envolveu com um cara da pesada e acabou sendo presa. Vitor sempre contou com o apoio e suporte de uma família unida, equilibrada e presente. Quando Leo completou 15 anos seus irmãos foram para um abrigo e ele ficou com um parente próximo. Aos 15 anos Vitor ganhou uma viagem para o exterior. Na casa nova, Leo precisou ajudar com as despesas trabalhando período integral, deixou a escola temporariamente. Vitor entrou em universidade renomada totalmente financiada pelos pais. Não sou mais professora nessas escolas, mas colegas que ainda trabalham lá me deram notícias atuais: Leo hoje trabalha no IFood durante o dia para pagar um curso técnico que faz a noite e o Vitor acabou de se formar em engenharia. E ainda tem gente nesse mundo que defende a meritocracia! O Léo é só uma história entre milhares. Um garoto que se esforçou muito, mas encontrou diversos obstáculos pelo caminho que trilhou a pé descalço em chão de terra (enquanto o colega Vitor viajava de “jatinho particular”). O Léo vai chegar ao destino e se formar, eu tenho certeza disso, mas por causa de uma sociedade injusta e desigual, o menino vai levar o triplo do tempo e precisar do triplo de força pra não desistir… Quem usa o argumento da meritocracia, pra mim, é porque nunca conheceu a realidade das nossas periferias de verdade. Fala de algo que não existe! E, pior, coloca um peso enorme nas costas de quem já sofre. Isso se chama tortura!” – Postado por uma professora.

Meus comentários:

1. Vitor não tem culpa pela situação de Léo.
2. As circunstâncias difíceis que Léo enfrenta não são causadas pelas circunstâncias fáceis que Vitor vivencia, nem vice-versa.
3. Igualar todo garoto rico a Vitor e todo garoto pobre a Léo é preconceito. Nem toda família rica é bem estruturada e cuidadosa com os filhos como o texto sugere que a de Vitor é. Nem toda família pobre é desestruturada levando os filhos à uma situação de abandono como a de Léo.
4. Usar esse texto para criticar a meritocracia é desconhecer o conceito. Meritocracia não é sobre todos saírem do mesmo lugar, nas mesmas condições e buscarem os mesmos resultados. Isso é gincana. Meritocracia é sobre fazer o melhor, com os recursos de que se dispõe, buscando a realização de interesses pessoais. Pelo texto, tanto Vitor quanto Léo têm muitos méritos.
5. Se quisermos ver menos Léo’s no nosso país, precisamos entender os motivos pelos quais temos tantos. E tem que ver os motivos reais, específicos, não basta se acomodar a narrativas genéricas como “sociedade injusta e desigual”. E então poderemos atuar para diminuir os obstáculos e aumentar as oportunidades.
6. Eu tenho convicção, e aí é uma opinião pessoal, que não é dando cada vez mais dinheiro para o governo supostamente fazer projetos sociais para os Léo’s enquanto a maior parte dos recursos se perdem em ralos de corrupção e ineficiência que vamos melhorar esse quadro. E muito menos vamos melhorar as coisas culpando e caçando os Vitor’s.

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