COLOMBIA, ABORTO E LIBERDADE

(Leitura: 15 min)

Nesta semana, o tema aborto ganhou as machetes devido à uma decisão da Corte Constitucional da Colômbia, a Suprema Corte deles, que descriminalizou quaisquer abortos realizados até 24 semanas de gestação. Antes disso, o aborto era criminalizado lá, exceto em casos de estupro ou mal formação fetal, bem semelhante a como é hoje no Brasil. Em meio a reações emocionais contra e a favor, desejo oferecer uma reflexão o mais racional possível.

Vamos começar analisando o caso específico da Colômbia. A primeira coisa que chama atenção é que a mudança foi feita por uma decisão da Suprema Corte, contrariando as leis do país. Isso é lamentável. Corrobora uma perigosa tendência no Ocidente de o Judiciário fazer leis. Sem ainda entrar no mérito da decisão, numa democracia, mudanças legislativas deveriam ser feitas pelo parlamento, onde estão os representantes eleitos pelos cidadãos. Por mais que os parlamentos tenho defeitos, ali, as leis são debatidas abertamente, dentro de um processo previsível, com espaço para manifestações da sociedade. Não se inventou ainda jeito melhor de legislar. O papel do judiciário é aplicar as leis, não decretá-las ou modificá-las. Portanto, uma mudança tão importante e tão polêmica feita por uma canetada do judiciário me parece ilegítima.

Por outro lado, ao ver tantas críticas às pessoas que estavam celebrando vitória, críticas que pretendem uma indignação por ter gente celebrando o direito de abortar fetos de 24 semanas, acho importante salientar que não me parece ser isso que tava sendo comemorado. O que foi descriminalizado é o direito ao aborto e isso que foi celebrado. O limite máximo de tempo, no caso 24 semanas, é um ponto secundário. O fato de alguém apoiar a descriminalização não significa que a pessoa aprove esse limite específico. Além disso, mesmo o limite sendo de 24 semanas, a mulher que quiser fazer um aborto poderá fazê-lo bem antes. É claro que a questão do limite de tempo é importante, e vou tratar dela mais adiante. Porém, acho importante definir quais são os fatos antes de ir pras opiniões.

Olhando para o tema de forma mais geral, pra além do caso colombiano, acho válido começar analisando sob a ética libertária. Quem acompanha meus escritos sabe de minha simpatia pelo libertarianismo, portanto, não podia deixar de analisar por essa ótica. O que o libertarianismo tem a dizer sobre aborto? Na minha opinião, bem pouco. É um caso do qual a ética libertária não dá conta. Os principais valores libertários são a liberdade e a propriedade, sendo a propriedade do próprio corpo, da própria vida, a mais essencial. Só que aí duas ideias de vida entram em conflito. Se pensarmos do ponto de vista do direito à vida do feto, o aborto seria um crime, mas, se por outro lado, pensarmos no direito a auto determinação da mulher sobre seu próprio corpo, sem o qual um feto não é viável, o aborto seria um direito básico da mulher, e ambas as decisões seriam coerentes com os princípios libertários. Ou seja, nesse caso a ética libertária desemboca num paradoxo. Então, tudo depende do que se entende por começo da vida e até que ponto se considera viável que uma vida possa depender de outra e ainda assim ser autônoma. Duas sociedades com valores e tradições diferentes poderiam ter leis opostas sobre aborto e ainda assim serem ambas libertárias. Pra resolver esse dilema, uma sociedade, libertária ou não, precisa recorrer a outras fontes para fundamentar suas decisões.

Uma fas fontes onde uma sociedade poderia buscar fundamento para tratar a questão do aborto é a religião. Sabemos que a maioria das religiões consideram a vida sagrada desde a concepção e portanto recriminam ou proíbem o aborto. Só que, numa sociedade laica, as decisões baseadas em critérios religiosos, deveriam ser deixadas para o livre arbítrio de cada indivíduo, não devendo ser matéria de lei.

Outra fonte de argumentação poderia ser a ética deontológica ou o utilitarismo. É bom ou ruim que nasçam crianças de pessoas que não desejam ser pais ou mães, que provavelmente não iriam cuidar bem desses filhos, os quais teriam maiores changes de se tornarem pessoas infelizes, despreparadas pra vida, talvez se tornassem criminosos ou seguissem outros caminhos que as levariam a se tornarem fardos para toda a sociedade? Por outro lado, permitir que embriões e fetos sejam eliminados por conveniência poderia levar uma sociedade a banalizar a vida, levando à normalização de outros comportamentos violentos ou destrutivos?

Outra fonte de sustentação às políticas sobre o tema é a ciência e a tecnologia. Se presumirmos que existe algum caso em que o aborto deva ser permitido, aí, temos de pensar sobre métodos, sobre impactos disso em políticas de saúde pública nos estados que as tem, sobre as responsabilidades dos profissionais de saúde nos procedimentos, e, sobretudo, no limite de tempo até quando o aborto é permitido, o que leva à discussão sobre a partir de que momento o embrião se torna um ser vivo autônomo, desde quando tem consciência ou sentimentos e por aí afora.

Se quisermos olhar pra questão do aborto de forma racional, outro aspecto que precisa ser enfrentado é a manipulação retórica que é amplamente usada tanto por quem milita a favor quanto por quem milita contra. Quem é contra costuma demonstrar indignação dizendo que abortistas estão querendo matar bebês de não sei quantas semanas. Mas, será que essas pessoas realmente pensam em embriões e fetos como bebês? Algum casal comemora o dia da concepção dos filhos? Ou preferem comemorar o aniversário de nascimento? Uma mãe que saia de casa com seu filho após um mês do nascimento, se alguém perguntar qual a idade dele, vai responder que ele tem 10 meses ou que ele tem 1 mês? Sabemos as respostas, então, pra bem da verdade, devemos admitir que toda nossa cultura só conta mesmo o bebê como uma pessoa autônoma depois que ele nasce.

Por outro lado, militantes pró direito de aborto, quando confrontados, as vezes se referem a embriões e fetos como amontoados de células. É fácil dizer isso sobre um feto genérico numa conversa abstrata, mas, quem é que se refere ao próprio feto, a um desejado futuro filho, como amontoado de células? Ninguém, né. Então, vamos combinar que, qualquer que seja nosso lado nesse debate, um embrião ou um feto é mais que células, tem todo um significado e uma simbologia na cultura e nos sentimentos humanos.

A verdade, a meu ver, é que todas as sociedades humanas entendem, mesmo que intuitivamente, que a individualidade não começa num único ponto do tempo, nem na concepção nem no nascimento. É um processo. As vezes começa até antes da concepção, com um casal planejando o futuro filho, construindo histórias que serão depois incorporadas à história do filho. Até o direito reconhece essa certa existência pré concepção ao permitir que se deixe em testamento doações pra futuros filhos. A concepção é, naturalmente, um passo muito importante do processo, mas, ainda assim, um passo. E então começa uma fase de formação, tanto biológica, com o embrião e depois o feto crescendo na barriga da mulher, quanto social e sentimental, com a ideia de um novo indivíduo se formando dentro da família e da comunidade. E esse processo evolui até o nascimento, até a separação dos corpos de mãe e filho e o surgimento de um indivíduo completo e autônomo.

Então, creio que todos os lados desse debate deveriam fazer um esforço para reconhecer que há esse aspecto de processo evolutivo na formação da individualidade e ver as opiniões contrárias a luz desse processo. Quase todo mundo, por exemplo, reconhece a possibilidade de aborto quando a vida da mulher está em risco. Ora, quase ninguém aceitaria que uma criança recém nascida fosse abatida para, de algum modo, salvar a vida da mãe. Então, se a pessoa admite aborto em caso de risco de vida da mulher, já admitiu que de algum modo uma criança é mais viva do que um feto. Por outro lado, até quem defende o direito de aborto em qualquer circunstância, dificilmente vai discordar de que um aborto de um embrião de 4 semanas é menos traumático do que o de um feto de 12 semanas.

Estabelecido esse contexto, me parece o momento de abordar a questão do tempo limite. Aí, me parece que o conhecimento da ciência e tecnologia médica vem a calhar, considerando tanto a formação do feto e de seu sistema nervoso quanto a saúde física e mental da mulher. Mas, também, cabe considerar questões culturais e sentimentais. Não somos máquinas, sentimentos e conceitos relativos à valorização ou banalização da vida também são importantes e tem impactos nos indivíduos e na sociedade. Me parece que é importante estabelecer limites de tempo que permitam à mulher tomar uma decisão bem pensada e ao mesmo tempo respeite a percepção média de valorização da vida.

Outra coisa que quem acompanha minhas ideias bem sabe é que, pra mim, a liberdade é muito importante, porém, anda lado a lado com outro conceito tão importante quanto, que é a responsabilidade. Cada posicionamento tem contrapartidas, que muitas vezes tendemos a esquecer, seja por distração ou por conveniência.

Se reconhecermos o direito da mulher de abortar, ou seja, de desistir de uma gravidez depois da concepção, então, por coerência, não podemos negar esse direito ao homem. Numa sociedade que reconheça o direto da mulher ao aborto, o homem também deveria ser livre para, uma vez informado da futura paternidade, decidir se vai assumi-la. Se a mulher esconder do homem a gravidez ou, sabendo da negativa dele, levar a gravidez adiante, deveria assumir sozinha as responsabilidades pelo filho. Mas, nesse caso, o filho estaria sendo punido pela divergência entre os pais? Creio que não. Ninguém pode escolher as circunstâncias do próprio nascimento. Temos que viver com o que somos.

Por outro lado, uma sociedade que proíba o aborto, que considere que embriões e fetos tenham o direito de se desenvolver e nascer independente da disposição e do desejo da mãe, assume para si a obrigação de cuidar dessa criança. De uma pessoa que se acha no direito de obrigar uma mulher a levar adiante uma gravidez indesejada, eu esperaria que essa pessoa se disponha a criar a criança como se dela fosse. Qualquer coisa menos que isso seria uma contradição.

Concluindo, minha percepção é de que se trata de um assunto bem complexo, com múltiplos aspectos e muitas variáveis sobre as quais as sociedades tem bem pouco controle. E nesses casos, minha convicção é de que o estado deve interferir o mínimo possível. Não há estado que seja muito bom em cuidar de gente, em abarcar suas complexidades biológicas, culturais e emocionais. Então, na dúvida, é melhor deixar que os indivíduos tomem suas próprias decisões e vivam com elas.

SOBRE MONARK, LIBERDADE E CANCELAMENTO

Nazismo é indefensável. Foi um movimento que promoveu de várias formas a violência, a perseguição, a morte, a guerra. Teve o fim que mereceu. Hitler está morto. Que fique morto. Não dá pra discutir nenhum tema atual usando como pano de fundo o nazismo. Tem grupelhos de nazistas ainda zumbizando por ai? Que continuem zumbis. Não quero saber deles. Não deixem que inimigos da liberdade tragam a conversa pro tema nazismo. É cilada.

Querem falar sobre violência, perseguição, xenofobia, segregação? Vamos olhar pro presente. Vamos discutir os casos que estão acontecendo agora, que podem ser revertidos, que merecem atenção de quem defende vida digna e liberdade para todo ser humano. Vamos falar da opressão vivida por uigures e tibetanos, da opressão que se abate sobre o povo de Hong Kong, das ameaças à liberdade de Taiwan, das ameaças à soberania da Ucrânia, do apartheid sanitário que vários governos do ocidente estão a impor a minorias de suas populações.

Não faltam ameaças à liberdade, não apenas de opinião e pensamento, mas, também à liberdade de movimentos em andamento agora em várias partes do mundo. E muita gente que arrota virtude condenando violências do passado fecham os olhos para as violências do presente ou mesmo defendem e apoiam os estados e pessoas que estão provendo perseguição, discriminação e massacre neste exato momento. Se você defende a liberdade, quando te cobrarem posicionamentos sobre o passado, traga a conversa pro presente e vamos ver quem realmente defende liberdade, democracia, dignidade, respeito, essas coisas todas.

E o Monark? Deu um vacilo. Foi massacrado pelos seus adversários e inimigos. É do jogo. Opto por ignorá-los. Foi também descartado por seus sócios. Também do jogo. Seus sócios fizeram uma escolha. Uma escolha ruim, acho, mas, feita no direito deles. Que se danem, não tenho muito a dizer sobre covardes. Torço para que o Monark comece um novo empreendimento e faça ainda mais sucesso e continue promovendo a liberdade e expressando suas opiniões livremente.

SOBRE A AVENTURA AMERICANA NO AFEGANISTÃO

O que faltou aos EUA no Afeganistão foi aliados locais minimamente razoáveis.

Vencer uma guerra sendo uma superpotência mundial contra um país pobre é fácil. O difícil é manter a vitória. Ainda mais se o país em questão for um território árido que não tem nada interessante além da produção de drogas. Quem vai querer ficar lá e construir uma vida lá? Só mesmo quem nasceu lá e se acostumou à aquele inferno ou quem não pode ir pra outro lugar porque seria preso, tipo um Osama bin Laden.

E quem nasceu lá e aprendeu a viver lá é quase na totalidade parte da cultura muçulmana radical e não quer conversa com invasores ocidentais ou russos querendo mandar neles ou mudar o modo de vida deles. Se os chineses tentarem vão levar invertida também.

Os únicos aliados que os americanos conseguiram foi a tal Aliança do Norte, um amontoado de pilantras que eram considerados bandidos até para os padrões afegãs e tavam isolados no norte do país, já quase totalmente derrotados. Foi com essa ralé que os EUA tentaram construir um governo que pudesse manter os interesses americanos lá. Daí esse governo nunca teve um mínimo de aceitação do povo afegão. Só ficou no poder enquanto mantido lá pela força americana. Os poucos afegãos médios que se beneficiaram desse arranjo com os americanos foram esses que agora estão desesperados pra sair daquele inferno nem que seja pendurado em avião.

Os EUA fizeram uma ocupação que não podiam manter e por isso se deram mal.

No Iraque eles tiveram mais sucesso pq lá haviam grupos razoavelmente fortes e com raízes na cultura do país que não gostavam do governo do Saddam e estavam dispostos a trabalhar com os americanos pra construir um país diferente, como os Xiitas e os Curdos.

Então, resumindo minha análise, ganhar a guerra é uma questão de força militar e disposição de usá-la. Manter o domínio sobre um país já é algo muito mais complicado e geralmente depende de aliados locais, com raízes culturais fortes o suficiente pra conseguir apoio popular e disposição de construir vidas no país a longo prazo.

OBS: Esse post é uma análise fria dos fatos. Eu não endosso nenhuma ocupação, nenhuma violação da soberania alheia. Acredito que se um soldado tá lutando em território estrangeiro, tem grande chance de ele estar do lado errado da guerra.

ORGANIZANDO AS IDÉIAS

(Leitura: 4 min)

Talvez, a característica que mais nos diferencia de outros animas seja nossa capacidade de abstração, nossa capacidade de imaginar além da realidade presente e raciocinar com base em cenários imaginados, refletir sobre o passado e projetar possíveis futuros.

Todos nós temos a capacidade de pensamento abstrato e, suponho, não há bicho humano que não o pratique. Mas, muitos de nós, têm a tendência a misturar tudo num único plano. Realidade, possibilidades, valores, sentimentos, tudo misturado, um plano unidimensional de pensamento. Porém, alguns humanos conseguem segmentar o pensamento em vários níveis de abstração e raciocinar, debater, planejar e agir em cada nível distinto sem perder o rumo e sem deixar que uma linha de conduta atrapalhe a outra. É uma habilidade fascinante, muito útil e que acredito que mereça ser cultivada e aperfeiçoada.

Eu costumo dividir o pensamento abstrato em quatro níveis principais e tentar me manter consciente sobre em qual nível eu estou em cada iniciativa. Os quatro níveis são: O ótimo, o bom, o regular e o dane-se.

O nível do ótimo é o nível da utopia. É onde pensamos em como as coisas deveriam ser. É onde sonhamos com um mundo perfeito, onde todos, de algum modo, são felizes e realizados, ou pelo menos todos que importam pra nós. É o nível onde vamos para recarregar as esperanças.

O nível do bom é o nível do otimismo racional. É o nível da melhoria possível no curto e médio prazo. É onde pensamos em como as coisas podem ser um pouco melhores, partindo da realidade presente e avançando em meio a todas as imperfeições das pessoas e das coisas. É o nível dos planos detalhados e das iniciativas concretas.

O nível do regular é o nível da realidade presente. É o nível da sobrevivência. É o nível onde lidamos com problemas imediatos, com gente inconveniente e limitações de todo tipo. É onde ganhamos a vida, pagamos as contas, amamos e odiamos, choramos e rimos e damos um jeito de manter e ampliar as forças para podermos caminhar em direção aos níveis do bom e do ótimo.

E, por fim, temos o nível do dane-se. Porque não somos de ferro. Porque tem hora que a gente cansa, que precisa de um refresco. É onde damos um tempo de todos os problemas e relaxamos. É onde corremos pro boteco pra tomar uma gelada, ou pra igreja pra fazer uma prece, ou pra um soluço num ombro aconchegante. É onde assumimos nossas fraquezas e buscamos alívio. É onde desistimos por hoje de deixamos pra lutar outro dia.

Saber navegar pelos quatro níveis me parece bastante útil e necessário para uma vida sã e produtiva. Ter consciência sobre em que nível se está em cada situação é melhor ainda. Perceber em que nível o outro está e ter empatia na convivência com ele é a perfeição, o estado da arte nas relações humanas.

LÁZARO E OUTROS DILEMAS BRASILEIROS

(Leitura: 6 min)

Eu tava evitando falar sobre a busca e execução do Lázaro porque é um tema tão escorregadio, que permite tantas análises distintas, que acaba sendo grande o risco de a gente se perder, cometer exageros ou injustiças com algumas das partes. Mas, alguns amigos disseram que gostariam de me ouvir a respeito, então, tentarei elaborar o que penso.

Eu tento organizar minha visão de mundo em quatro níveis de abstração. Tem o nível do ideal (como eu gostaria que um mundo fosse), o nível do bom (já que o ideal tá distante, qual a melhor forma de nos organizarmos e viver bem), o nível do razoável (quando nem o bom é possível, o que fazer pra encarar a realidade e lidar com os problemas) e, finalmente, o nível do dane-se (onde a gente apela, briga, xinga, e vai tomar uma cerveja pra relaxar que ninguém é de ferro). Acho que terei que passar por todos os níveis pra tentar dizer o que penso sobre esse caso do Lázaro.

No nível ideal esse caso sequer existiria. O Lázaro foi preso mais de uma vez antes por crimes diversos. Passou pela avaliação de psiquiatras forenses. Tava claro que ele era uma séria ameaça à segurança pública. Mas, por negligência ou ingenuidade ideológica (ou ambas) de alguns operadores do direito, essa ameaça foi devolvida à sociedade. Não defendo uma política de sair prendendo pessoas e jogando a chave fora. Mas, acredito que o mal existe, que tem pessoas que são caso perdido, que tem de ser contidas pelo bem dos demais. Uma sociedade bem organizada devia saber identificar e conter tais pessoas.

Mas, não vivemos no mundo ideal. Então, devíamos tentar pelo menos construir uma sociedade boa. E, nesse nível, uma pessoa que comete os crimes que o Lázaro cometeu devia ser presa, processada dentro da lei, e condenada a passar a vida toda na cadeia. E devia virar caso de estudo. Escolas deviam levar os jovens pra visitar cadeias, ver gente que vai passar a vida presa e conhecer dos seus crimes para saberem que, se forem pelo mesmo caminho, vão acabar tendo um destino semelhante.

Infelizmente, a maneira como as coisas funcionam no nosso país passa longe de ser boas. Temos leis severas para condutas inofensivas e leis brandas para crimes graves. Nosso sistema judiciário tá cheio de gente que estudou muito pra passar num concurso mas aprendeu pouco da realidade. O fato de esse criminoso ter passado várias vezes pelo sistema e voltado as ruas pra cometer mais crimes deixa claro que as soluções legais são bastante falhas. Então, não consigo lamentar porque esse criminoso foi morto e não preso. Entendo o alívio que muita gente deve ter sentido em saber que pelo menos esse não vai atacar mais. Entendo o policial que pensou “esse eu não terei de prender novamente”. Por outro lado, quando vejo um corpo sendo manejado de um carro pro outro como um saco de lixo, enquanto funcionários públicos comemoram e se felicitam, fico preocupado.

Aí, já estamos no nível do dane-se. E o dane-se deve acontecer num nível pessoal, nunca social. Eu posso compreender que um policial que passou semanas tensas caçando um criminoso, se arriscando, sofrendo pressões profissionais e sociais, fique feliz de que a missão foi cumprida, acabou. É humano. Posso entender se fragá-lo em sua casa socando o ar e celebrando. Porém, celebrar em público uma morte, mesmo que de um criminoso, manejar um corpo como saco de lixo diante das câmeras, e influenciadores e autoridades fazerem posts públicos exaltando o fato, me parece que passou do ponto.

Aquele corpo já foi uma pessoa, um filho de alguém, uma forma humana que lembra muitas outras. De quem se vê na necessidade de lidar com um corpo eu espero alguma compostura, algum respeito. De quem tem como profissão, fazer isso, além de compostura, espero profissionalismo. Se são funcionários públicos e autoridades, espero mais compostura e profissionalismo ainda.

Enfim, a impressão geral que levo desse episódio é que nos livramos de um criminoso, mas, também, emitimos mais um alerta de que estamos um tanto quanto perdidos em nossos ideias, valores e prioridades.

ADEUS, PADRINHO

Minha homenagem ao meu padrinho Batista, que faleceu ontem, 12-Dez-2020, em Pouso Alto, Abre Campo, MG.

Um homem que sempre mereceu meu respeito, admiração e estima.

Que descanse em paz. E que minha madrinha Terezinha e sua família tenham muita força pra seguir na caminhada.

EVOLUÇÃO X DESIGN INTELIGENTE

Por décadas, criacionistas tentaram substituir a Teoria da Evolução pelo Livro do Gênesis, porém, a evolução prevaleceu nas escolas e foi ratificada quando atacada na justiça. A luta pela sobrevivência fez surgir novos tipos de criacionistas, melhor adaptados ao ambiente atual. O novo criacionismo se disfarça sobre o nome de design inteligente e é mais perigoso do que o criacionismo à moda antiga.” – Post de um grupo fechado do qual participo.

Sim, ainda tem por aí muito gente que não aceita a Teoria da Evolução. Lamento por elas. Porém, Me impressiona mais a quantidade de pessoas que aceitam a Teoria da Evolução na biologia, mas, não conseguem reconhecer o poder dos processos evolutivos em outras áreas. E são pessoas com acesso a conhecimento e cultura. Pessoas que preferem planejamento centralizado a liberalismo na economia estão optando por um suposto design inteligente ao invés de evolução. Pessoas que olham pra história come se essa fosse planejada e dirigida por uma elite ao invés de ser um processo caótico resultante de interesses individuais que se entrecruzam estão favorecendo a ideia de design inteligente ao invés de evolução. E assim por diante. Processos evolutivos estão acontecendo pra todo lado à nossa volta e muitos de nós não conseguimos percebê-los e seguimos buscando (e culpando) algum projetista genial atrás de cada processo complexo. Então, antes de rir de quem acredita em design inteligente na biologia, talvez seja melhor a gente checar as nossas crenças e ver se não estamos também acreditando em design inteligente.

Os posts da categoria “Respostas Abertas” comentam textos alheios que me chamaram a atenção em alguma rede social. O post original é a parte transcrita em “itálico”. O autor é citado quando possível. Se o texto for seu e não te dei crédito ou você não permite a transcrição, favor entrar em contato.

COMÉRCIO DE CORPOS

Penso que é bastante evidente a razão pela qual o Direito Civil não admite a venda de órgãos humanos e a locação do útero, muito embora permita a doação daqueles e a cessão gratuita de uso deste.Trata-se de colocar limite à exploração econômica de um ser humano sobre o outro. Quem doa um rim ou gera um filho no lugar de outra pessoa, age por generosidade e não por necessidade. Admite-se o sacrifício, só por ter nascido da máxima liberdade.Para obter o necessário, para comprar comida, para pagar pela moradia, para sustentar os filhos, o Direito admite que as pessoas trabalhem, mas não que entreguem partes de seu corpo.E ao admitir que trabalhem, faculta-se-lhes abandonar o trabalho no dia em que assim o desejarem. Mas não pode tolerar que alguém limite tão dramaticamente sua liberdade, pelo período aproximado de nove meses, e isso para obter o sustento.Se há abusos no mercado de trabalho, o certo é combater os abusos e não ampliar o mercado para que passe a abranger outras dimensões da vida.Argumenta-se que de nada adianta proibir se essas coisas acontecem. Ora, adianta e muito. O Direito não está obrigado a ceder ante a realidade. Em alguns casos, como nesse, deve afrontá-la. Dele se espera que aponte o caminho e jamais que empreste sua força para confirmar as tragédias humanas.Quem leu “Os Miseráveis”, o magnífico romance de Victor Hugo, deve se lembrar da pobre Fantine vendendo os próprios dentes, um a um, para sustentar a filha pequena.Não gostaria que o Direito Civil brasileiro chegasse a esse ponto.Mas há quem pense de outro modo. Para Rodrigo da Cunha Pereira:“O corpo é um capital físico, simbólico e econômico. Os valores atribuídos a ele são ligados a questões morais, religiosas, filosóficas e econômicas. Se a gravidez ocorresse no corpo dos homens, certamente o aluguel da barriga já seria um mercado regulamentado. Não seria a mesma lógica que permite remunerar o empregado no final do mês pela sua força de trabalho, despendida muitas vezes em condições insalubres ou perigosas, e considerado normal? O que se estaria comprando ou alugando não é o bebê, mas o espaço (útero) para que ele seja gerado. Portanto, não há aí uma coisificação da criança ou objetificação do sujeito. E não se trata de compra e venda, como permitido antes nas sociedades escravocratas e endossado pela moral religiosa. Para se avançar, é preciso deixar hipocrisias de lado e aprender com a História para não se repetir injustiças. É preciso distinguir o tormentoso e difícil caminho entre ética e moral” (PEREIRA, Rodrigo da Cunha, “Direito das Famílias”. Rio de Janeiro: Forense, 2020).” – Giordano Bruno Soares Roberto

Questão interessante. Me parece haver bastante diferença entre os dois casos analisados.Na questão da barriga de aluguel, tendo a concordar com o Rodrigo. Pode ser visto como uma prestação de serviço. Porém, isso levaria a outras questões polêmicas. E se a mulher resolvesse desistir do contrato no meio do caminho? Seria permitido o aborto? Resolveria em perdas e danos? Ou ela seria obrigada a levar o contrato até o fim? Ai viraria uma espécie de escravidão?Já na questão da venda de órgãos tendo a concordar com você. Não é serviço nem tão pouco produto. Órgãos não é algo que alguém consiga produzir. A pessoa nasce com eles e não tem sobressalente. O pedaço vendido iria quase que fatalmente abreviar a vida do vendedor. Sei que é uma questão moral. Talvez seja uma questão de empatia. O fato é que não consigo achar aceitável a venda de órgãos que não se regeneram. Venda de partes que se regeneram, como cabelo, unha, sangue, daí, me parece aceitável sem problemas.

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AUTOCRÍTICA LIBERAL

(Leitura: 5 min)

Por décadas, liberais, conservadores, direitistas e outras tribos que se opõem à visão de mundo dos socialistas vem acusando, com razão, o socialismo de ser um caminho inexorável para a pobreza e a miséria.

Esse era um argumento fácil. Bastava olhar para a Coréia do Norte, para os diversos países que saíram da influência soviética ávidos por capitalismo, para os cubanos cubanos famintos se lançando ao mar sob jangadas improvisadas tentando chegar a Miami, para os Venezuelanos fugindo pra Roraima.

Nos últimos anos isso mudou um pouco. O argumento continua sendo uma verdade estatística. Mas, sua verdade absoluta caiu. Como o método científico determina, basta um contra exemplo para negar uma tese. E agora temos o contra exemplo da China.

A ascensão da China deixou claro que é possível ser socialista e ser rico. A sensibilidade da economia mundial ao que acontece na China e a influência do governo chinês em tantas partes do mundo não deixam dúvida. Um país socialista pode se tornar não apenas rico, como também uma potência econômica mundial.

Nesse ponto, alguém deve estar dizendo: Mas, a China não é mais socialista de verdade, é socialista só no nome. Não devemos tomar esse caminho, sob pena de sermos hipócritas. Da mesma forma que criticamos os socialista que, confrontados com os desastres de outros países que tentaram o socialismo, respondem que não foi o socialismo de verdade, que a URSS ou qualquer outro projeto socialista fracassado desvirtuou o socialismo, seria ridículo clamar que a China não é o verdadeiro socialismo agora que ela é um sucesso pelo menos na economia. O controle do PCC sobre tudo que acontece na china continua absoluto. É socialismo sim.

Outra coisa que a China demonstrou é que socialismo não é o contrário de capitalismo. Empresas do mundo todo, nascidas e criadas sob regimes capitalistas, se sentem super confortáveis fazendo negócios com a China, se instalando no território chinês e se ajustando de bom grado aos controles sociais chineses. Empresas chinesas, capitaneadas pelo governo socialista, se expandem para o mundo e se adaptam sem constrangimentos ao modos operandi dos países capitalistas.

Então, tá na hora de admitir que o socialismo funciona? Creio que não. Tá na hora de admitir que ele nem sempre leva à pobreza e à miséria. Na maioria das vezes leva, sim. Os inventivos são todos errados, despertando o pior das pessoas. Mas, com alguns ajustes, e algumas circunstâncias favoráveis, pode vir a ser um sucesso econômico. Só que nem só de economia é feita uma sociedade.

O que a comparação dos países ocidentais com a China também prova é que uma sociedade aberta, moderna, civilizada, é muito mais do que economia. Uma sociedade civilizada envolve direitos civis, direitos políticos, possibilidade de pleitear direitos sociais, envolve liberdade de expressão e de organização, envolve estado de direito, instituições diversas que protejam os indivíduos contra o excesso de poder do estado. É em todos esses avanços civilizatórios conquistados nos últimos séculos pelas sociedades abertas ocidentais que devemos pensar ao lidar com a China e seu projeto de hegemonia do socialismo chinês.

A crítica ao socialismo precisa evoluir. Apontar a montanha de miséria produzida por quase todos os projetos socialistas é importante. Mas, é cada dia mais importante destacar o que o socialismo produz de violência, de segregação, de violação dos mais básicos direitos humanos. O contrário de socialismo não é capitalismo, é liberdade.

ELEIÇÕES MUNICIPAIS 2020

Minhas impressões sobre as eleições municipais:

PT e PSDB derreteram. A polarização entre esses dois partidos que dominaram a política brasileira por três décadas agoniza.

A esquerda está tentando encontrar seu novo eixo. A base eleitoral pra ela ainda existe. Falta liderança e rumo.

O bolsonarismo não soube transformar seu protagonismo no plano federal em influência local. Isso vai custar caro em 2022.

O grande vencedor foi o Centrão. Sua mistura de fisiologia e pragmatismo não deixa espaços vazios dando sopa.

O sucesso do Centrão indica que as narrativas mais ideológicas estão desgastadas. O eleitor médio tá cansado de ouvir falar de direita, esquerda, antifa, fascista, progressismo, conservadorismo e cia. Lacradores de ambos os lados fazem muito barulho mas tem pouco público.

O momento político do país é de muita fragmentação e pouco rumo. O caminho tá aberto para o surgimento de novas lideranças, novas causas, novos discursos e, por mais que eu não deseje, novos mitos.