SOBRE A AVENTURA AMERICANA NO AFEGANISTÃO

O que faltou aos EUA no Afeganistão foi aliados locais minimamente razoáveis.

Vencer uma guerra sendo uma superpotência mundial contra um país pobre é fácil. O difícil é manter a vitória. Ainda mais se o país em questão for um território árido que não tem nada interessante além da produção de drogas. Quem vai querer ficar lá e construir uma vida lá? Só mesmo quem nasceu lá e se acostumou à aquele inferno ou quem não pode ir pra outro lugar porque seria preso, tipo um Osama bin Laden.

E quem nasceu lá e aprendeu a viver lá é quase na totalidade parte da cultura muçulmana radical e não quer conversa com invasores ocidentais ou russos querendo mandar neles ou mudar o modo de vida deles. Se os chineses tentarem vão levar invertida também.

Os únicos aliados que os americanos conseguiram foi a tal Aliança do Norte, um amontoado de pilantras que eram considerados bandidos até para os padrões afegãs e tavam isolados no norte do país, já quase totalmente derrotados. Foi com essa ralé que os EUA tentaram construir um governo que pudesse manter os interesses americanos lá. Daí esse governo nunca teve um mínimo de aceitação do povo afegão. Só ficou no poder enquanto mantido lá pela força americana. Os poucos afegãos médios que se beneficiaram desse arranjo com os americanos foram esses que agora estão desesperados pra sair daquele inferno nem que seja pendurado em avião.

Os EUA fizeram uma ocupação que não podiam manter e por isso se deram mal.

No Iraque eles tiveram mais sucesso pq lá haviam grupos razoavelmente fortes e com raízes na cultura do país que não gostavam do governo do Saddam e estavam dispostos a trabalhar com os americanos pra construir um país diferente, como os Xiitas e os Curdos.

Então, resumindo minha análise, ganhar a guerra é uma questão de força militar e disposição de usá-la. Manter o domínio sobre um país já é algo muito mais complicado e geralmente depende de aliados locais, com raízes culturais fortes o suficiente pra conseguir apoio popular e disposição de construir vidas no país a longo prazo.

OBS: Esse post é uma análise fria dos fatos. Eu não endosso nenhuma ocupação, nenhuma violação da soberania alheia. Acredito que se um soldado tá lutando em território estrangeiro, tem grande chance de ele estar do lado errado da guerra.

ORGANIZANDO AS IDÉIAS

(Leitura: 4 min)

Talvez, a característica que mais nos diferencia de outros animas seja nossa capacidade de abstração, nossa capacidade de imaginar além da realidade presente e raciocinar com base em cenários imaginados, refletir sobre o passado e projetar possíveis futuros.

Todos nós temos a capacidade de pensamento abstrato e, suponho, não há bicho humano que não o pratique. Mas, muitos de nós, têm a tendência a misturar tudo num único plano. Realidade, possibilidades, valores, sentimentos, tudo misturado, um plano unidimensional de pensamento. Porém, alguns humanos conseguem segmentar o pensamento em vários níveis de abstração e raciocinar, debater, planejar e agir em cada nível distinto sem perder o rumo e sem deixar que uma linha de conduta atrapalhe a outra. É uma habilidade fascinante, muito útil e que acredito que mereça ser cultivada e aperfeiçoada.

Eu costumo dividir o pensamento abstrato em quatro níveis principais e tentar me manter consciente sobre em qual nível eu estou em cada iniciativa. Os quatro níveis são: O ótimo, o bom, o regular e o dane-se.

O nível do ótimo é o nível da utopia. É onde pensamos em como as coisas deveriam ser. É onde sonhamos com um mundo perfeito, onde todos, de algum modo, são felizes e realizados, ou pelo menos todos que importam pra nós. É o nível onde vamos para recarregar as esperanças.

O nível do bom é o nível do otimismo racional. É o nível da melhoria possível no curto e médio prazo. É onde pensamos em como as coisas podem ser um pouco melhores, partindo da realidade presente e avançando em meio a todas as imperfeições das pessoas e das coisas. É o nível dos planos detalhados e das iniciativas concretas.

O nível do regular é o nível da realidade presente. É o nível da sobrevivência. É o nível onde lidamos com problemas imediatos, com gente inconveniente e limitações de todo tipo. É onde ganhamos a vida, pagamos as contas, amamos e odiamos, choramos e rimos e damos um jeito de manter e ampliar as forças para podermos caminhar em direção aos níveis do bom e do ótimo.

E, por fim, temos o nível do dane-se. Porque não somos de ferro. Porque tem hora que a gente cansa, que precisa de um refresco. É onde damos um tempo de todos os problemas e relaxamos. É onde corremos pro boteco pra tomar uma gelada, ou pra igreja pra fazer uma prece, ou pra um soluço num ombro aconchegante. É onde assumimos nossas fraquezas e buscamos alívio. É onde desistimos por hoje de deixamos pra lutar outro dia.

Saber navegar pelos quatro níveis me parece bastante útil e necessário para uma vida sã e produtiva. Ter consciência sobre em que nível se está em cada situação é melhor ainda. Perceber em que nível o outro está e ter empatia na convivência com ele é a perfeição, o estado da arte nas relações humanas.

LÁZARO E OUTROS DILEMAS BRASILEIROS

(Leitura: 6 min)

Eu tava evitando falar sobre a busca e execução do Lázaro porque é um tema tão escorregadio, que permite tantas análises distintas, que acaba sendo grande o risco de a gente se perder, cometer exageros ou injustiças com algumas das partes. Mas, alguns amigos disseram que gostariam de me ouvir a respeito, então, tentarei elaborar o que penso.

Eu tento organizar minha visão de mundo em quatro níveis de abstração. Tem o nível do ideal (como eu gostaria que um mundo fosse), o nível do bom (já que o ideal tá distante, qual a melhor forma de nos organizarmos e viver bem), o nível do razoável (quando nem o bom é possível, o que fazer pra encarar a realidade e lidar com os problemas) e, finalmente, o nível do dane-se (onde a gente apela, briga, xinga, e vai tomar uma cerveja pra relaxar que ninguém é de ferro). Acho que terei que passar por todos os níveis pra tentar dizer o que penso sobre esse caso do Lázaro.

No nível ideal esse caso sequer existiria. O Lázaro foi preso mais de uma vez antes por crimes diversos. Passou pela avaliação de psiquiatras forenses. Tava claro que ele era uma séria ameaça à segurança pública. Mas, por negligência ou ingenuidade ideológica (ou ambas) de alguns operadores do direito, essa ameaça foi devolvida à sociedade. Não defendo uma política de sair prendendo pessoas e jogando a chave fora. Mas, acredito que o mal existe, que tem pessoas que são caso perdido, que tem de ser contidas pelo bem dos demais. Uma sociedade bem organizada devia saber identificar e conter tais pessoas.

Mas, não vivemos no mundo ideal. Então, devíamos tentar pelo menos construir uma sociedade boa. E, nesse nível, uma pessoa que comete os crimes que o Lázaro cometeu devia ser presa, processada dentro da lei, e condenada a passar a vida toda na cadeia. E devia virar caso de estudo. Escolas deviam levar os jovens pra visitar cadeias, ver gente que vai passar a vida presa e conhecer dos seus crimes para saberem que, se forem pelo mesmo caminho, vão acabar tendo um destino semelhante.

Infelizmente, a maneira como as coisas funcionam no nosso país passa longe de ser boas. Temos leis severas para condutas inofensivas e leis brandas para crimes graves. Nosso sistema judiciário tá cheio de gente que estudou muito pra passar num concurso mas aprendeu pouco da realidade. O fato de esse criminoso ter passado várias vezes pelo sistema e voltado as ruas pra cometer mais crimes deixa claro que as soluções legais são bastante falhas. Então, não consigo lamentar porque esse criminoso foi morto e não preso. Entendo o alívio que muita gente deve ter sentido em saber que pelo menos esse não vai atacar mais. Entendo o policial que pensou “esse eu não terei de prender novamente”. Por outro lado, quando vejo um corpo sendo manejado de um carro pro outro como um saco de lixo, enquanto funcionários públicos comemoram e se felicitam, fico preocupado.

Aí, já estamos no nível do dane-se. E o dane-se deve acontecer num nível pessoal, nunca social. Eu posso compreender que um policial que passou semanas tensas caçando um criminoso, se arriscando, sofrendo pressões profissionais e sociais, fique feliz de que a missão foi cumprida, acabou. É humano. Posso entender se fragá-lo em sua casa socando o ar e celebrando. Porém, celebrar em público uma morte, mesmo que de um criminoso, manejar um corpo como saco de lixo diante das câmeras, e influenciadores e autoridades fazerem posts públicos exaltando o fato, me parece que passou do ponto.

Aquele corpo já foi uma pessoa, um filho de alguém, uma forma humana que lembra muitas outras. De quem se vê na necessidade de lidar com um corpo eu espero alguma compostura, algum respeito. De quem tem como profissão, fazer isso, além de compostura, espero profissionalismo. Se são funcionários públicos e autoridades, espero mais compostura e profissionalismo ainda.

Enfim, a impressão geral que levo desse episódio é que nos livramos de um criminoso, mas, também, emitimos mais um alerta de que estamos um tanto quanto perdidos em nossos ideias, valores e prioridades.