MULAN

(Leitura: 2 min)

Assisti ao filme Mulan. Em parte, porque gosto de cinema. Em parte, estimulado pelas polêmicas que ele gerou.

É um bom filme. Uma obra de ação típica. Uma pessoa simples, anônima, passa por um processo de aventura, aprendizado e superação para, finalmente, salvar o mundo. Fórmula clássica que qualquer pessoa que curte cinema já viu Hollywood repetir quase ao infinito e que nunca se exaure.

Mas, tem uma diferença essencial em relação aos outros trocentos filmes de ação que Hollywood já fez. Enquanto os outros louvavam o ideal de estilo de vida americano (american way of life), este exalta o ideal de estilo de vida chinês (não sei como dizer em mandarim, ainda).

Todos os elementos estão lá. O grande líder que vive para cuidar de seu povo, enfrentando perigos em pessoa se necessário; o governo central que deve ser honrado e servido por todos; os inimigos externos que querem destruir o modo de vida chinês; o dever de todos de se submeter ao governo, à família e à tradição, e se sentir honrado por isso.

Que os estúdios Disney faça um filme assim, é o esperado. A apologia aos Estados Unidos ser trocada pela apologia à China é o que impressiona. Se uma das mais poderosas máquinas de propaganda político ideológica americana já se coloca abertamente à serviço do governo chinês, talvez a China já tenha ganho a terceira guerra mundial e a gente nem percebeu.

LINGUAGEM NEUTRA

Pra mudar o português brasileiro não precisa reforma ortográfica, nem lei, nem pedir autorização pra ninguém. Se o pessoal lgbd+/- quer criar uma classe de pronomes neutros ou mesmo criar variações de substantivos e adjetivos eu não tenho nada contra. Posso participar da mudança se gostar das palavras novas. Só não podem querer obrigar ninguém a usar suas novidades. Promovê-las, sim. Se colar, blz. Senão, usem-nas em seus nichos e não encham o saco.

IMPOSTOS – PAGADORES E CONSUMIDORES

(Leitura: 4 min)

Direita e esquerda, socialista e liberal, conservadores e progressistas. Há muitas maneiras de classificar as pessoas em grupos distintos. Nenhuma é perfeita. Nenhuma é definitiva. Todas elas têm seus usos. Ajudam a compreender cenários e facilitam a comunicação. E todas tem também suas limitações e trazem consigo o risco de acirrar preconceitos. Mas, talvez, nenhuma classificação social seja tão útil para compreender o atual momento político e ideológico no ocidente do que a divisão das pessoas em pagadores e consumidores de impostos.

Quase todo mundo paga algum imposto e também consome algum serviço público. Mas, para efeito dessa classificação, vale o que for preponderante. É pagador de impostos quem coloca dinheiro no cofre do governo mais do que recebe dele. E é consumidor de impostos quem recebe do governo mais do que paga a ele.

São exemplos de pagadores os trabalhadores da iniciativa privada, a maioria dos empresários, os profissionais liberais e os autônomos. São exemplos de consumidores os funcionários públicos, a maioria dos políticos, os empresários que se beneficiam de subvenções, reservas de mercado e outros conchavos com governos, pensionistas, beneficiários de programas sociais, estudantes da rede pública, bolsistas, sindicalistas, funcionários de instituições para-estatais, entre outros que de algum modo vivem de recursos que saem do tesouro público.

E pra que que essa classificação serve? Salvo raras exceções, o fato de ser pagador ou consumir de impostos determina grande parte das opiniões políticas, econômicas, ideológicas e sociais de uma pessoa.

Pagadores de impostos tendem a desconfiar do governo. Sentem, mesmo que intuitivamente, que estão sendo explorados. Tendem a se revoltar com aumentos de impostos, a se aborrecer com burocracias, a preferir passar longe das repartições públicas. Além disso, tendem a gastar muito tempo e energia ganhando a vida, a focarem nos seus interesses pessoais, a ficar longe da política. Costumam pensar mais no futuro, consumir com moderação e fazer mais poupança.

Consumidores de impostos, intencional ou intuitivamente, sabem que suas vidas dependem do cofre estatal. Tendem a apoiar iniciativas que aumentem o poder e a arrecadação do governo. Costumam pensar no governo como uma entidade que deve estar acima da sociedade, regulando tudo. E não costumam pensar muito em de onde vem o dinheiro que recebem. Tendem a gastar mais, poupar pouco e preocupar-se menos com o futuro. Costumam ser mais engajados na política, serem militantes, formarem grupos especializados e pressionarem os políticos para promoverem os seus interesses.

Por isso, se queremos entender como uma pessoa pensa, influencia-lá ou apenas conviver bem com ela, um bom começo é procurar saber se ela é pagadora ou consumidora de impostos. Ambas podem ser úteis ou danosas tanto no plano social quanto individual. Esss classificação não deve ser usada para fomentar preconceitos e sim para nos ajudar a entender melhor o outro. Não devemos nos esquecer que, a despeito de classificaçoes, cada pessoa é um indivíduo único.

NÃO MEXA COM QUEM TÁ QUIETO

Pra quem não sabe, essa bandeira da cobrinha (Gadsden Flag) é um dos mais populares símbolos da liberdade individual.

Ela surgiu nos Estados Unidos e vem geralmente acompanhada da frase “Don’t tread on me”. Uma tradução literal seria “Não pise em mim”. Mas, isso não é uma frase que um brasileiro usaria normalmente.

Já vi várias tentativas de traduzi-la pro português. Todas tem seus méritos, mas, nenhuma me conquistou. Segue minha contribuição, com uma indisfarçada inspiração mineira.

VACINA II

Dado a persistência da polêmica, volto ao tema das vacinas pra covid. O presidente agiu mal em sua fala, desenorajou a vacinação? Talvez. Mas, não vejo como culpá-lo por defender a liberdade individual. Trata-se de item fundamental dos direitos civis. Primeira dimensão dos direitos humanos. Ademais, Bolsonaro é o que é do jeito que é. Não vai mudar.

Eu quero me dirigir é aos representantes públicos da ciência médica, aos especialistas que, supostamente, privilegiam o conhecimento à teimosia, estão abertos ao dialago, menos apegados a questões políticas e mais propensos a reverem suas posições diante de argumentos.

A questão em torno de a vacina ser ou não obrigatória é de pouca relevância. A grande maioria das pessoas vão querer se vacinar, querem viver, querem cuidar da saúde dos filhos. Se for feita uma campanha mostrando os benefícios e mitigando os riscos, com transparência e objetividade, as pessoas vão aderir, como aderem a outras campanhas de vacinação.

Mesmo a dicotomia entre vacina chinesa/russa versus vacina ocidental pode ser facilmente resolvida. Muita gente já deixou claro que não se importa com de onde a vacina vem. Então esses tomam as vacinas chinesas e russas que comseguirmos obter e as ocidentais ficam pro resto. Assim fica todo mundo feliz.

Já quando insistem em confrontar Bolsonaro ou defender obrigatoriedade ao invés de defender os argumentos favoráveis à vacina, demonstram viés político e ideológico e aumentam as desconfianças de uma parte considerável da população.

Os que preferem ter razão do que conseguir resultados que continuem polemizando.

VIGIAR E PUNIR (Resenha)

(Tempo de leitura: 5 min)

Nesta obra, Foucault é o historiador em essência. Ele analisa o desenvolvimento do trinômio poder, pena e disciplina desde a Idade Média até o Século XX. Destaca como a punição ao crime evolui do castigo físico, aplicado em público em nome do Rei, passando pela propostas de reforma que buscavam variar a pena conforme o bem ofendido pelo crime até chegar ao uso quase universal da prisão como pena no Estado Moderno. Mostra também como a arte da disciplina evoluiu neste período, passando a abarcar diversos processos de controle coletivo, não só nas prisões, mas também nos hospitais, nas escolas, nas fábricas e outras instituições que nasceram da revolução industrial. Por fim, demostra como a pena e a disciplina estão relacionadas aos mecanismos de poder, como se encaixam num arranjo social mais geral que passa a predominar nas sociedades modernas. Em sua performance descritiva e analítica, o autor é brilhante.

No entanto, ao exercer brilhantemente seu papel de historiador, ele não escapa de um problema comum nas análises históricas. Ele conta a história do trinômio poder, pena, e disciplina através de uma narrativa que busca transformar uma coletânea de acontecimentos que vão se sucedendo e se cruzando em uma cadeia de eventos planejados, coordenados e dirigidos a uma finalidade. Ele transforma um “processo evolutivo” em um “design inteligente”. Esse é um desafio que o pessoal da história terá que encarar algum dia. Achar um jeito de ser empolgante sem ser romântico. Encontrar um equilíbrio entre encanto e objetividade.

Um ponto marcante do livro é a apresentação do conceito de panóptico, um prédio construído para ser o paraíso da disciplina, um conjunto de torres e células onde indivíduos são levados viver e produzir sob constante vigilância, enquanto os vigias também são vigiados numa espiral de disciplina, onde o vigiar e ser vigiado se torna o próprio motor que movimenta a existência. Avançando um pouco no tempo, vemos que o panóptico, como construção material, se torna obsoleto com o desenvolvimento da tecnologia. As mesmas funções podem ser obtidas com mais acuidade e maior escala através de câmeras e telas, e levadas a um nível ainda mais automático e sutil através da inteligência artificial e da ciência de dados.

Por fim, fica da obra a impressão que o autor não economiza na crítica ao mundo em que vive e aos processos que lhe deram origem, porém, não consegue esboçar qualquer proposta, qualquer caminho alternativo para longe das tensões ou angústias que o incomodam. Parece se ressentir com a evolução que permitiu a Europa multiplicar sua população, sua expectativa de vida e os confortos materiais de seus habitantes, mas, ao mesmo tempo falha em propor transformações positivas. Demonstra uma visão amarga do presente e uma perspectiva sombria do futuro. A gente quase concluí que ele prefere os suplícios da era feudal às disciplinas do mundo moderno, que deseja trocar a abundância industrial pela escassez do estado de natureza. A leitura é saborosa, mas, deixa um retrogosto de apologia ao passado.

VACINA

É possível ser favorável à vacinação em massa, ser um entusiasta das vacinas e, ao mesmo tempo, ser contra a vacinação obrigatória, ser contra o uso da força para coagir pessoas a fazer algo em relação ao qual elas não estão se sentindo seguras.

É possível estar ansioso para ver prontas pra uso vacinas desenvolvidas e produzidas com rigor científico em países democráticos e, ao mesmo tempo, ser cauteloso em relação à vacinas feitas às pressas e sem transparência por governos de ditaduras sinistras.

Já transformamos uma pandemia numa briga político ideológica em que a razão tem sido a maior perdedora. Seria bom não transformarmos a vacina nisso também.

Respeito à liberdade alheia, responsabilidade no trato com a vida das pessoas e relações humanas baseadas no consentimento são sempre bem vindas, especialmente de quem tem cargos de liderança e gestão pública.